Cartas dos índios Camarões

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Cartas dos Índios Camarões
by Eduardo Navarro
[ 1 ]

Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos
índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

Transcription and complete annotated translation of the
Camarão Indians' letters, written in 1645 in Old Tupi

Eduardo de Almeida Navarro

Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil

Resumo: As seis cartas aqui transcritas e traduzidas são manuscritos raríssimos, os únicos textos conhecidos em tupi antigo que foram escritos por índios no período colonial brasileiro. Há quase quatrocentos anos, a Real Biblioteca de Haia, na Holanda, guarda tais manuscritos. Eles são, aqui, pela primeira vez, completamente transcritos, traduzidos e comentados, embora sua existência já seja conhecida desde 1885. Em 1630, Pernambuco foi invadido pelos holandeses financiados pela Companhia das Índias Ocidentais. Toda a costa nordestina, exceto a da Bahia, foi dominada por eles. Depois de quinze anos de dominação, no ano de 1645, começou uma guerra contra a presença holandesa no Brasil, da qual também participaram índios potiguaras (de potĩ – 'camarão' + ´ûara – 'comedor', 'o que come': 'comedores de camarão'). Tais índios, parentes uns dos outros, conhecidos como 'Camarões', dividiram-se durante o conflito, ficando alguns ao lado dos luso-brasileiros e outros com os holandeses. Naquele ano, durante o início da guerra, entre agosto e outubro, alguns deles trocaram correspondência e suas cartas foram preservadas nos arquivos holandeses.

Palavras-chave: Potiguaras. Cartas. Tradução. Brasil holandês.

Abstract: The six letters transcribed and translated here are very rare manuscripts: the only known texts in Old Tupi written by indigenous native speakers during the Brazilian colonial period. The manuscripts have been preserved for almost four hundred years in the Royal Library of The Hague, in the Netherlands. In this paper, they are completely transcribed, translated, and commented on for the first time, although their existence has been known since 1885. In 1630, the captaincy of Pernambuco, in Brazil, was invaded by the Dutch West Indies Company, and, subsequently, all of Brazil's northeastern cast, except Bahia, was captured. After fifteen years of Dutch rule, the Portuguese began a war to retake their former northeastern possessions, in which the Potiguara Indians ('prawn eaters' < Old Tupi, potĩ – prawn' + ´ûara – 'one who eats', 'eater") participated, some supporting the Catholic Portuguese and others supporting the Protestant Dutch. A few leading figures among the Potiguara, all from the same family and known to Portuguese and Brazilian historians as the Camarões ('Prawns'), fought against each other during the conflict. At the beginning of hostilities, some of them exchanged letters between August and October 1645, and part of their correspondence was preserved in the Dutch archives.

Keywords: Potiguara. Letters. Translation. Dutch Brazil.

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INTRODUÇÃO

No século XVII, expandia-se o império marítimo holandês, que passou a disputar com Portugal a posse de colônias ultramarinas na América, África e Ásia. País convertido ao Calvinismo havia várias décadas, os Estados Gerais das Províncias Unidas tornaram-se um ambiente propício para o florescimento do capitalismo mercantil. Com efeito, organizaram-se na Holanda, com a participação maciça de capitais privados, grandes companhias de comércio, verdadeiras multinacionais do século XVII, em que não era um Estado que assumia empreendimentos colonizatórios, mas a burguesia mercantil, com apoio estatal. Em 1602, surgiu a Vereenigde Oost-Indische Compagnie (VOC, em português Companhia Unida das Índias Orientais). Em 1621 surgiu a West Indische Compagnie (WIC, Companhia das Índias Ocidentais).

Tais companhias de comércio tomariam de Portugal grandes entrepostos comerciais e disputariam com os portugueses o controle do tráfico de escravos e de regiões produtoras de mercadorias de grande valor econômico. Territórios portugueses em Angola, no Brasil e no sudeste Asiático passaram para o domínio holandês. Alguns foram retomados depois por Portugal, mas outros se tornaram colônias batavas, como Malaca, rico entreposto situado no litoral da Malásia, defronte da ilha indonésia de Sumatra. Enquanto a economia portuguesa entrava-se em crise no século XVII, a Holanda conhecia um período de grande crescimento, favorecendo o desenvolvimento do mercantilismo (Grieco, 1998; Boxer, 1961).

Assim, em 1624, a Companhia das Índias Ocidentais promoveu um ataque ao rico nordeste brasileiro, produtor de cana-de-açúcar. Seus soldados tomaram a capital da colônia, Salvador. No entanto, não conseguiram estender suas conquistas para além daquela cidade, uma vez que foram cercados por forças luso-brasileiras, que impediram seu avanço. O ataque malogrou e os holandeses foram expulsos da Bahia em 1625.

Expulsos de Salvador em 1625, os holandeses tiveram contato com um grupo indígena da Paraíba, falante do tupi antigo, os potiguaras. Esses índios eram da mesma origem dos outros que habitaram a costa brasileira no século XVI, muitos dos quais já estavam, no início do século XVII, submetidos aos portugueses e convertidos ao catolicismo. Os potiguaras viviam no litoral que ia desde a Paraíba até o Ceará. Era um grupo aguerrido, mas não coeso. Alguns eram amigos dos inimigos de Portugal, os traficantes franceses de pau-brasil. Na Paraíba, tinham como seu centro principal as aldeias da Baía da Traição. Lá, os holandeses fizeram contato em 1625 com tais potiguaras, entre os quais o índio Pedro Poti. Este partiu, junto com Antônio Paraupaba, da Capitania do Rio Grande, e mais um grupo de indígenas, para a Holanda. Lá, eles viveram por alguns anos, aprenderam holandês e tornaram-se calvinistas. Cerca de vinte índios foram levados nessa ocasião pelos holandeses (Maior, 1913).

Cinco anos depois, a Companhia das Índias Ocidentais resolveu atacar novamente a costa do nordeste brasileiro. Tal ataque ocorreu em 1630 em Pernambuco e foi bem-sucedido. Após a conquista daquela capitania, os holandeses estenderam nos anos seguintes sua dominação pela costa de Alagoas, de Sergipe, da Paraíba, do Rio Grande, do Ceará e do Maranhão. Seriam 24 anos de ocupação dessa parte do nordeste brasileiro.

Entre 1637 e 1644, o Brasil Holandês foi administrado por um humanista teuto-holandês, o conde Maurício de Nassau-Siegen, sob cuja administração houve inusitada tolerância religiosa. Os católicos puderam praticar sua religião livremente e, pela primeira vez, uma sinagoga surgiu nas Américas, tendo podido os judeus praticar sua fé. Segundo Israel (2007, p. 28, tradução nossa), "... o grau de tolerância concedido a esse grupo por volta do final da década de 40 do século XVII foi, de qualquer perspectiva histórica, algo totalmente sem precedentes no mundo cristão desde os tempos antigos".[1] [ 3 ]O primeiro rabino a chegar ao continente americano foi Isaac Aboab da Fonseca, em 1642. Permaneceu em Pernambuco até a expulsão dos holandeses em 1654 (Vainfas, 2010).

Nos anos da administração de Maurício de Nassau-Siegen, houve também grande desenvolvimento da infraestrutura urbanística de Recife, além de incentivo ao estudo da natureza brasileira. Pela primeira vez, a fauna e a flora do Brasil seriam descritas cientificamente, tendo sido publicada pelo naturalista Georg Marcgrave a “Historia Naturalis Brasiliae” (Piso & Marcgrave, 1648). Empréstimos foram feitos a senhores de engenho para que reconstruíssem suas propriedades (Mello, 2012).

Quando fazia já dez anos d presença holandesa no Brasil, em 1640, um importante fato histórico mudaria o rumo dos acontecimentos: a restauração do trono português, com o fim do domínio espanhol. Portugal recuperava sua independência. No entanto, precisaria lutar contra a Espanha para garanti-la. Os holandeses já estavam em guerra com os espanhóis havia décadas, pela consolidação de sua própria independência (isto é, das Províncias Unidas dos Países Baixos), a chamada Guerra dos Oitenta Anos, que só terminaria em 1648, com a Paz de Westfália. A guerra de Portugal contra a Espanha não permitiria, segundo o Pe. Antônio Vieira, ministro de D. João IV, que o reino luso tivesse forças para enfrentar os holandeses, no caso de tentar sua expulsão do Nordeste brasileiro (Boxer, 1961). Assim, num documento conhecido como “Papel Forte”, escrito em 1648, Vieira chegou a propor a entrega de Pernambuco à Holanda. Segundo ele, “. . . se Portugal e Castela juntos não puderam resistir à Holanda, como há de resistir Portugal, só, à Holanda e a Castela?” (Vieira, 1951, p. 69).

No entanto, uma reação armada ao domínio holandês começaria no próprio Brasil. Em 1644, Maurício de Nassau retornou à Europa, tornando generalizada a insatisfação com a administração holandesa, sediada no Recife. Os senhores de engenho estavam endividados com a Companhia das Índias Ocidentais. Com a partida de Nassau, as dívidas passaram a ser cobradas ostensivamente. Um dos grandes senhores de engenho de Pernambuco, João Fernandes Vieira, juntamente com André Vidal de Negreiros, comandou os brasileiros na guerra, ajudando a financiá-la, o que levaria à expulsão dos holandeses em 1654. Nessa guerra, iniciada no dia 13 de junho de 1645, lutaram, de cada lado, índios, europeus e negros escravos ou libertos. Ela é conhecida como a Insurreição Pernambucana (Hulsman, 2006).

Concorreram para agravar as causas econômicas da guerra as causas religiosas: a partida de Maurício de Nassau faria renascer a intolerância entre católicos e calvinistas. Com efeito, no dia 16 de julho de 1645, em Cunhaú, na Capitania do Rio Grande, os holandeses e seus aliados índios, comandados por um judeu-alemão de nome Jacob Rabi, mataram dezenas de pessoas durante uma missa celebrada pelo padre André de Soveral. Uma das vítimas, Mateus Moreira, teve o coração arrancado pelas costas (Pereira, 2009).

No dia 3 de outubro de 1645, nova chacina foi perpetrada pelos holandeses e por seus aliados índios, desta vez em Natal. Doze pessoas foram detidas no Forte dos Reis Magos, entre as quais o padre Ambrósio Francisco Ferro. Elas foram levadas para o porto de Uruaçu, onde as aguardava o chefe potiguara Antônio Paraupaba, aliado dos holandeses. Ele fora designado por estes como regedor da Capitania do Rio Grande, assim como o chefe Pedro Poti o fora para os índios da Paraíba e Domingos Carapeba para os de Itamaracá e Goiana. Antônio Paraupaba, à frente de mais de duzentos índios potiguaras e tapuias, determinou que seus subordinados matassem aqueles doze prisioneiros, o que foi feito com extrema crueldade (Pereira, 2009).

Tais fatos fizeram crescer a hostilidade dos luso-brasileiros contra os holandeses, numa guerra que levaria quase nove anos para terminar. No início dela, índios potiguaras da Paraíba e do Rio Grande escreveram cartas em tupi antigo, o que constitui fato de imensa importância para os estudos linguísticos e históricos. A existência de índios alfabetizados, [ 4 ]tanto do lado dos portugueses quanto do lado dos holandeses, permitiu que essa correspondência fosse trocada entre eles. É bem conhecida a preocupação dos batavos com a alfabetização dos índios para sua evangelização (Ribas, 2018).

AS CARTAS DOS ÍNDIOS CAMARÕES: HISTÓRIA E ANÁLISE INTERNA

As seis cartas que se seguem estão entre os documentos da Companhia das Índias Ocidentais guardados na Real Biblioteca de Haia, na Holand[2]. Foram escritas entre 19 de agosto e 21 de outubro de 1645. Somente uma delas foi escrita em agosto, pouco mais de um mês após o massacre de Cunhaú. As outras cinco foram escritas todas em outubro, após o massacre de Uruaçu.

A existência de tais cartas foi revelada pelo historiador José Hygino Duarte Pereira, em 1885. Elas vêm acompanhadas de resumos em holandês feitos pelo pastor calvinista Johannes Eduards, que participou da ocupação holandesa do litoral nordestino.

Em 1906, o engenheiro baiano Theodoro Sampaio, autor de “O tupi na geografia nacional” (Sampaio, 1987), publicou na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano um artigo intitulado “Cartas tupis dos Camarões”. No introito, Sampaio reconhece que quase nada conseguiu fazer na tradução das referidas cartas:

Confesso que só com grande dificuldade consegui entender o tupi em que foram escritas as duas primeiras cartas, as únicas em que logrei fazer alguma coisa na restauração e tradução do texto. As restantes estão ainda para mim indecifráveis. São verdadeiros enigmas (Sampaio, 1906, p. 36).

Sampaio tentou traduzir (e o fez precariamente), apoiado nos comentários em holandês do pastor Eduards, duas cartas, uma datada de 17 de outubro de 1645 (de autoria de Diogo da Costa) e outra de 21 de outubro daquele ano (de Diogo Pinheiro Camarão). Esta última foi novamente traduzida e publicada por Navarro (1998), sendo a única das seis cartas que, até hoje, tivera tradução integral.

Embora não haja menção explícita nas cartas aos morticínios de Cunhaú e de Uruaçu, cometidos pelos holandeses e seus aliados índios, é indubitável que eles ajudaram a precipitar os acontecimentos e levar ao acirramento das hostilidades.

Das seis cartas em tupi antigo, três foram escritas por Felipe Camarão. A primeira delas, datada de 19 de agosto de 1645 e dirigida a Pedro Poti, evidencia que a correspondência entre os potiguaras divididos em campos opostos já vinha acontecendo. Ele inicia sua missiva escrevendo que “. . . enviava de novo suas palavras . . .”. Tal carta foi escrita um dia depois da tomada do forte de Serinhaém, na costa pernambucana, ocorrida nos dias 17 e 18 de agosto de 1645. As duas outras cartas de Felipe Camarão foram escritas em 4 de outubro de 1645, uma novamente para Pedro Poti e a outra para Antônio Paraupaba. Conforme diz o missivista, o portador da carta escrita em 19 de agosto foi assassinado a mando de Pedro Poti. As duas cartas de 4 de outubro, que levam a assinatura do capitão-mor Antônio Felipe Camarão, têm a mesma letra, mas que não é aquela da carta escrita em 19 de agosto. Fica evidente que houve ao menos uma carta ditada pelo capitão-mor e escrita por outra pessoa.

Das três outras cartas, todas de outubro de 1645, uma foi escrita por um irmão legítimo de Pedro Poti, Diogo da Costa, que também foi o portador das duas cartas de Felipe Camarão ora mencionadas. Com tal iniciativa, mandando um irmão de Pedro Poti levar as cartas, Felipe Camarão tentava evitar um novo assassinato de seu portador no campo inimigo holandês.

[ 5 ]Finalmente, há duas cartas escritas pelo capitão-mor Diogo Pinheiro Camarão, uma a Pedro Poti e outra a quatro capitães potiguaras que tiveram papel importante na guerra.

INFORMAÇÕES SOBRE OS REDATORES DAS CARTAS

FELIPE CAMARÃO

Antônio Felipe Camarão era o nome de batismo de um índio potiguara que nasceu em 1600-1601. Era filho de Potiguaçu, índio da aldeia do Igapó, situada na margem esquerda do rio Potengi, perto de Natal. Foi educado pelos jesuítas, de quem recebeu as primeiras letras. Casou-se com Clara Camarão, também uma índia potiguara. Tendo participado ativamente da resistência à dominação holandesa, recebeu, em 1633, do rei Filipe IV da Espanha e Portugal a patente de capitão-mor dos índios e, em 1635, o título de cavaleiro da Ordem de Cristo. Teve papel destacado na guerra que levou à expulsão dos holandeses do Brasil. Faleceu em 1648 (Hulsman, 2006).

CAPITÃO SIMÃO SOARES

O final da primeira carta apresenta uma mensagem assinada pelo capitão Simão Soares, da Paraíba. Ele era tio de Felipe Camarão. Segundo Raminelli (2015, p. 138), “. . . em 1625, na Baía da Traição, para libertar mulher e filhos do assédio batavo, Simão Soares passou para o lado do inimigo, ‘obrigado do amor que lhes tinha’”. Os holandeses partiram da Paraíba e, ao chegarem as tropas portuguesas, ele foi dado como aliado dos holandeses e permaneceu prisioneiro dos portugueses até 1633.

DIOGO DA COSTA

Era irmão mais velho de Pedro Poti e foi encarregado por Felipe Camarão de levar as cartas que este escrevera em 4 de outubro, mencionadas anteriormente. Por sua carta dirigida a Pedro Poti, datada de 17 de outubro de 1645, é que ficamos sabendo que era irmão legítimo deste.

DIOGO PINHEIRO CAMARÃO

Foi autor de duas cartas, ambas escritas em 21 de outubro. Uma delas era dirigida a Pedro Poti e a outra a quatro chefes indígenas que lutavam em favor dos holandeses, a saber, os capitães Balthazar Araberana, Gaspar Cararu, Pedro Valadina e Jandaia.

INFORMAÇÕES SOBRE OS RECEPTORES DAS CARTAS

PEDRO POTI

Pedro Poti era índio da Baía da Traição (chamada antes Acajutibiró) na Paraíba. Levado para a Holanda em 1625, ele se converteu ao calvinismo e aprendeu holandês. Após a invasão de Pernambuco em 1630, ele voltou ao Brasil e trabalhou como intérprete para os holandeses. A participação de índios falantes de holandês e oriundos da terra que se pretendia conquistar era, com efeito, um grande trunfo que os holandeses tinham em suas mãos, pois seria necessário apoio indígena para se conquistar a terra e se combaterem os índios aliados dos portugueses. Pedro Poti e Antônio Paraupaba poderiam, efetivamente, conseguir alianças com tais índios (Raminelli, 2015).

[ 6 ]A resposta às cartas de seus parentes potiguaras somente nos chegou por meio de sua tradução em holandês, tendo-se perdido o texto original em tupi antigo. Em sua resposta a Felipe Camarão, Pedro Poti escreveu: “Sou cristão e melhor do que vós, creio só em Cristo; . . . . aprendi a religião cristã e a pratico diariamente” (Hulsman, 2006, p. 60).

Pedro Poti era capitão da Aldeia Miageriba e foi feito regedor da Paraíba em 1645. Quando as cartas de seus parentes lhe foram dirigidas, ele estava no Forte de Santa Margarida, na Paraíba. Há relatos sobre sua vida desregrada e propensão ao alcoolismo, tendo ele sido repreendido pela administração holandesa mais de uma vez. Foi aprisionado em 19 de fevereiro de 1649, na segunda batalha de Guararapes, e ficou preso no Forte do Cabo de Santo Agostinho. Segundo Antônio Paraupaba,

. . . foi açoitado, sofreu toda a sorte de tormentos e foi atirado em um buraco escuro, tendo as mãos e pés presos juntos por correntes de ferro, recebendo por alimento menos do que um pouco de água e de pão, e lá ficando por seis meses, chafurdando em sua própria sujeira (Hulsman, 2006, p. 59).

Segundo relatou Paraupaba, esses flagelos tinham por objetivo fazer Pedro Poti abjurar a fé calvinista e voltar ao seio da Igreja Católica. Segundo ele, tais tentativas foram vãs e Pedro Poti conservou firme sua convicção na Igreja Reformada. Depois de dois anos e meio em prisão portuguesa, foi levado para Portugal e faleceu no navio em que era conduzido preso (Hulsman, 2006).

ANTÔNIO PARAUPABA

Antônio Paraupaba era originário da Capitania do Rio Grande. Seu local exato de nascimento não é conhecido. Acompanhou os holandeses que tentaram invadir a Bahia em 1625, junto com seu pai, Gaspar Paraupaba. Na Holanda, tornou-se calvinista e aprendeu holandês. Voltou ao Brasil em 1631, quando, então, os holandeses já estavam no domínio de Pernambuco. Ele acompanhou Maurício de Nassau quando este voltou à Holanda em 1644 e, com o início da Insurreição Pernambucana, em 1645, foi designado capitão e regedor do Rio Grande. Esteve à frente do massacre de Uruaçu, ocorrido em 3 de outubro, em que vingou o massacre de Serinhaém, de 17 e 18 de agosto de 1645, comandado por Felipe Camarão e pelos chefes luso-brasileiros.

Diferentemente de Pedro Poti, Antônio Paraupaba não foi capturado pelos portugueses e seguiu para a Holanda, quando acabou a guerra, em 1654, acompanhado por sua esposa Paulina e seus três filhos, ainda crianças, tendo lá falecido dois ou três anos depois. Na Holanda, ele dirigiu requerimentos ao governo pedindo que socorresse os potiguaras que se haviam aliado aos holandeses na guerra e que sofriam duramente no Brasil sob o governo português (Hulsman, 2006).

GASPAR CARARU

O nome de Gaspar Cararu está mencionado na ata de uma assembleia dos índios reunidos na aldeia de Tapisserica, no ano de 1645 (ver a nota 52). O documento refere-se a ele como sendo da aldeia Miageriba, a mesma de Pedro Poti. Ele era um dos mais importantes chefes potiguaras aliados dos holandeses. Quando Pedro Poti foi aprisionado em 1649, na segunda Batalha de Guararapes, foi Cararu quem o substituiu como regedor da Paraíba (Hulsman, 2006, p. 46).

Outros três destinatários de uma das cartas enviadas em outubro daquele ano e que, por meio da própria missiva ficamos sabendo serem capitães potiguaras que lutavam ao lado dos holandeses, são Pedro Valadina, Jandaia e Baltazar Araberana. Destes três últimos, não temos mais informações históricas.

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CRITÉRIOS PARA A TRANSCRIÇÃO PALEOGRÁFICA. ALGUMAS SOLUÇÕES ENCONTRADAS NA TRANSCRIÇÃO DOS MANUSCRITOS

O trabalho de transcrição do texto das cartas dos Camarões seguiu critérios diferentes dos utilizados para a transcrição de manuscritos em português medieval ou dos séculos XVI e XVII. Com efeito, o trabalho paleográfico com tais manuscritos implica geralmente uma transcrição fiel, com a reprodução das abreviaturas usadas, da pontuação tal como se acha no texto, da separação de elementos da mesma palavra, da união de palavras diferentes etc. Somente depois disso é que o texto é transcrito na ortografia atual. Já com relação aos manuscritos dos índios Camarões, deve-se considerar que o tupi antigo era língua de tradição oral, sem alfabeto próprio. Os textos coloniais apresentavam variações ortográficas muito grandes. Assim, utiliza-se, na transcrição das cartas, uma ortografia predominantemente fonética, que altera aquela que se encontra nos textos originais. Saltamos, assim, a etapa prévia de transcrição fiel dos manuscritos. A ortografia aqui utilizada foi a que empregaram dois grandes tupinistas do século XX, Antônio Lemos Barbosa (1956) e Frederico Edelweiss (1958), em suas obras. A ortografia utilizada por tais autores foi aqui usada, contudo, com algumas modificações: 1. Não empregamos os hifens para separar morfemas tupis, como faz Barbosa, exceto quando há composição de uma palavra da língua portuguesa com outra da língua tupi (por exemplo, cristão-kanhema, capitão-etá etc.); 2. Representamos a consoante oclusiva glotal /Ɂ/ com apóstrofo, como sucede na escrita atual do guarani paraguaio, o que não fizeram aqueles autores.

A carta de 19 de agosto é a de mais difícil transcrição, por causa de algumas características da sua ortografia e por apresentar trechos borrados.

Por ser língua de tradição oral, de povos ágrafos, houve problemas ortográficos quando o tupi antigo passou a ser escrito. Alguns deles foram os seguintes:

a)Não havia letra distinta para representar o fonema /ɨ/. No século XVI, a vogal ɨ era representada por ig. Passou a ser usado o ípsilon a partir de 1621, com a publicação da “Arte da Lingua Brasilica”, do padre Luís Figueira (1621). Nas cartas dos índios Camarões, contudo, são usadas indiferentemente as letras i, j e também ig para representar aquela vogal. Utilizaremos y, em nossa transcrição, para representá-la;
b)Os epistológrafos indígenas, ao escreverem em tupi antigo, frequentemente separavam sílabas de uma mesma palavra ou uniam palavras distintas. Vejam-se os exemplos abaixo, tomados da carta de Diogo da Costa, datada de 17 de outubro de 1645:
Paraibi guara
Aqui o sufixo -ygûara, representado no texto por i guara, teve sílabas separadas.
maẽgua çuetendebe
Aqui o sufixo -gûasu, representado no texto por guaçu, teve suas duas sílabas separadas (...gua çu...). Por outro lado, o pronome ndebe uniu-se à palavra que o antecede.
Em nossa transcrição, não mantivemos tais procedimentos;
c)Não era representada a consoante oclusiva glotal /Ɂ/. Em nossa transcrição, ela é representada pelo apóstrofo (‘), conforme já dissemos anteriormente;
d)Os sinais de pontuação e a acentuação gráfica são pouco utilizados nas cartas. Em nossa transcrição utilizamo-los sistematicamente;
e)Não há, nas cartas, representação sistemática de semivogais. Usava-se às vezes , às vezes j para se representar a semivogal iode /j/. Em nossa transcrição, utilizamos o acento circunflexo sobre elas (î, û e ŷ). Embora uma convenção para marcar as semivogais não seja, com efeito, necessária para que um leitor não nativo contemporâneo possa reproduzir [ 8 ]com relativa fidelidade a fonética da oralidade setecentista, julgamos oportuno seguir uma ortografia do tupi antigo que, há décadas, vem sendo utilizada por tupinistas como Antônio Lemos Barbosa, Frederico Edelweiss e Eduardo Navarro;
f)Onde a letra <c> representa o fonema oclusivo velar surdo /k/, optamos por transcrevê-la por <k>. Onde <c> e <ç> representam o fonema /s/, substituímo-la por <s>;
g)As variantes alofônicas consonantais [mb] (alofone de /m/), [nd] (alofone de /n/), [ʃ] (alofone de /s/), [ɲ] (alofone de /j/) são, na nossa transcrição, representadas graficamente por mb, nd, x e nh, respectivamente. O b fricativo /β/ e o b oclusivo do seu alofone [mb] (nasal com distensão oral) são representados em nossas traduções pela mesma letra, b;
h)O fonema /ŋ/ é representado nas transcrições por ng;
i)As marcas de nasalidade muitas vezes não são utilizadas nos manuscritos. A nasalidade de um fonema não é amiúde marcada com til ou com n, m: mogeta (em vez de mongetá ou mõgetá), modo (em vez de mondó ou mõdó). Em nossa transcrição, as marcas de nasalidade serão sempre assinaladas, mas, às vezes, não corresponderão às que são convencionais na ortografia portuguesa. Essas marcas de nasalidade são sempre as da ‘norma clássica tupinológica’, isto é, as utilizadas por tupinistas como Lemos Barbosa, Edelweiss e Navarro.

A TRADUÇÃO DAS CARTAS PARA O PORTUGUÊS

Apresentam-se aqui traduções de cartas de uma língua de partida da família tupi-guarani para uma língua de chegada da família românica, no caso, o português.

Apresentamos para cada manuscrito duas traduções, uma livre e a outra justalinear, com o texto original transcrito. Isso permitirá acompanhar pari passu a transposição do texto em língua indígena para a língua portuguesa.

Apresenta o tupi antigo grandes diferenças estruturais em relação à língua portuguesa, entre as quais se podem mencionar as seguintes: flexão verbal à esquerda; existência de posposições; subordinação racional pouco desenvolvida; existência de afixos de relação, semelhante ao construto das línguas semíticas; voz causativa e voz causativo-comitativa; ausência de artigos; ausência de flexão de gênero e de número das formas nominais; relação genitiva formada como nas línguas da família germânica, isto é, com inversão das palavras; sintaxe do tipo sujeito-objeto-verbo (SOV).

Assim sendo, as soluções tradutórias que aqui encontramos tiveram de considerar a índole muito diversa do tupi antigo em relação às línguas românicas. Buscamos, nas traduções justalineares, aproximar o texto de chegada o mais possível do texto de partida, até onde isso é factível. Já nas traduções livres, utilizamos a variedade linguística do português brasileiro em seu padrão contemporâneo. As soluções tradutórias foram, assim, conduzidas por maior literalidade nas traduções justalineares.

Nas traduções livres, utilizamos a sintaxe mais corrente em português, sujeito-verbo-objeto (SVO), substituindo algumas palavras e expressões por outras mais usuais no português brasileiro. Evitamos nelas o uso do pronome vós, de segunda pessoa do plural, substituindo-o pelo pronome de tratamento vocês, que é o usual no português contemporâneo, tanto no Brasil como em Portugal. Utilizamos, contudo, nas traduções justalineares, o pronome tu, que ainda é usado em certas regiões do Brasil e tem amplo emprego em outros países lusófonos.

A dicotomia tradução literal/tradução livre é, há milênios, uma questão que domina as discussões sobre os princípios da prática tradutória (Nida, 1964). Forma versus sentido, estrangeirização versus domesticação, forma versus conteúdo, tais dicotomias e outras mais permeiam as reflexões sobre tradução. Sendo as cartas dos Camarões os únicos textos conhecidos em tupi antigo de autoria de falantes nativos e, dado o pequeno número de textos nessa língua, torna-se fundamental retirar [ 9 ]de tais cartas o máximo de informações linguísticas, o que torna centrais as questões formais e a análise da estrutura dos textos na presente tradução desses preciosos manuscritos. É preciso considerar, ademais, que seus autores eram todos bilíngues e que o contato dos potiguaras com os europeus já datava de mais de 140 anos. Assim sendo, verificar nessas cartas as influências do português sobre o tupi antigo torna-se ponto fundamental, o que coloca questões formais no centro de nossas discussões.

Os autores das cartas eram índios católicos, alfabetizados em português, com contato de décadas com os colonizadores. Sua cultura tradicional, assim, quase não aparece em seus textos, o que põe de lado questões de domesticação tradutória, as quais não se apresentam importantes aqui.


Carta 1 - de Felipe Camarão a Pedro Poti, de 19 de agosto de 1645 (Figura 1)

TRADUÇÃO

Envio minhas palavras novamente a todos vocês, meus filhos. Mando-lhes determinações novamente, por os amar de fato. Por quê? Por ser eu, na verdade, o pai verdadeiro de todos, para que vocês não percam sua salvação.

Isto não é bom em nossa terra, e vocês se desgraçam muitíssimo com seus atos, longe de mim, em sua condição de cristãos. Dirijo estas minhas palavras de novo para salvá-los do pecado.

Portanto, que todos vocês reconheçam o remédio que lhes mando. Estou pronto para fazer tudo por vocês.

Esta guerra é muito dolorosa para mim, por causa das coisas más que vocês fizeram, e eu não tenho pena de vocês.

Por que faço guerra com gente de nosso sangue, se vocês são os verdadeiros habitantes desta terra? Será que falta compaixão para com nossa gente? Ora, já duas vezes em luta?

Os homens maus, potiguaras que lutavam contra nós, morreram todos em Serinhaém. Todos os que ajudavam os homens maus morreram na batalha ontem, lamentavelmente. Os que lutaram com os homens maus para sua própria desonra, todos eles pereceram por nossas mãos. Hoje não se poupou a vida deles. Por que isso, se eles são os habitantes verdadeiros desta terra?

Vocês conhecem bem os portugueses por todas as coisas más que vocês fazem, mas vocês rejeitaram toda a culpa, então, para se livrarem desta.

Vejam que eu lhes indico novamente o que vocês devem fazer, as determinações a seguir, para que vocês não tenham dificuldades com os homens maus se eles maltratarem vocês entre si.

A saída de vocês do meio deles será algo mais que um simples abalo de gente ruim e vocês ficarão com medo.

Muitos comandantes morrerão, homens ruins, por nossas mãos. Ontem prendemos mais quatro chefes e toda a sua família em que confiavam. Capturamos a metade dos quatrocentos subordinados deles. Alguns morreram com eles por nossas mãos. Morreu o capitão André de Souza Biobi, o capitão Mateus Monteiro, o capitão Gaspar Ijibaquajiribã e também todos os seus melhores subordinados.

Não pensem que se poupa a vida dos potiguaras (da gente nossa) por esses terem sido feitos chefes. Não pensem que os homens maus livram vocês de nós. Somente a vida deles é poupada. E por que, se eles são estrangeiros?

Portanto, evitem que mais índios sejam atraídos de novo, e que fiquem sendo companheiros de guerra dos homens maus em suas ações futuras. Não quero mais, de jeito nenhum, a morte de vocês. Portanto, venham vocês todos ao meu encontro, recolhendo-se junto a mim.

[ img ]
 

Figura 1. Carta 1, de Felipe Camarão a Pedro Poti, de 19 de agosto de 1645.

[ 11 ]Eu vou certamente perdoar-lhes todas as coisas más que vocês fizeram.

Somente este é o remédio de vocês. Portanto, fiquem contra eles, afastando-se. Eu vou ficar muito feliz se vocês fizerem isso.

Eu novamente farei vocês estarem bem, perfeitamente de acordo com seu modo de vida de antigamente. Os que se acharem aí, conforme eu disse, serão completamente arruinados. Para longe deveriam ir para fugir de mim. Que não finjam os índios uma fuga.

Que tristeza! Esta guerra é parecida com o que era a armada; sua condição é a condição daquela. Eu mesmo reconheço isso.

Deixem de se desonrar, fugindo de mim. Vou-lhes dar o perdão geral, sem dúvida. Vocês serão meus amigos.

Todos os chefes índios pedem-lhes muito que venham. Eles também lhes darão o perdão geral, de acordo com as ordens de seu próprio chefe.

Hoje, 19 de agosto de 1645.

Capp. Mor Camarão


Se vocês não confiam, vocês são uns aleijados.

Por que os holandeses já entregaram esta terra
aos portugueses?

Portanto, reconheçam sua condição.


Ó meus parentes, (que pena!) vim aqui para retirar vocês
de uma morada ruim.

Eis que aqui estou. Confiem em mim.

Capp. Simão Soares – Paraíba

Que se realizem estas minhas palavras.


TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA

Aîmondó benhẽ || Envio de novo

xe nhe’enga || minhas palavras

opamenhẽ[3] peẽme, xe ra’yretá[4]. || a todos vocês, meus filhos.

Pe raûsupa[5] é,' || Amando-os, de fato,

pe rekomonhangaba[6] || determinações a vocês

[ 12 ]aîmondó benhẽ[7] peẽme. || mando novamente a vocês.

Marãnamo? || Por quê?

Opamenhẽ pe rubetéramo[8] || De todos vocês como pai verdadeiro

gûitekóbo[9] é, || estando eu, na verdade,

pe rekokatu || da salvação de vocês

kanhema suí[10]. || para não [haver] a perda.

N’i katuî nhẽ kó || Não é bom, com efeito, isto

nhandé[11] retama pupé nhẽ; || em nossa terra;

pe rekó pupé || com seus atos

pekanhemetekatûabo[12], || desgraçando-se vocês muitíssimo,

xe suí, || longe de mim,

cristão-ramo || como cristãos

pe rekó pupé. || na condição de vocês.

Kó xe nhe’enga || Estas minhas palavras

aîmondó benhẽ || envio-as de novo,

tekoaíba suí || do pecado[13]

pe pysyrõagûama[14] resé. || para o futuro livramento de vocês.

Emonãnamo, || Portanto,

ta peîkugûá[15]pabẽ || que [vocês] reconheçam todos

pe posanga || o remédio de vocês

peẽme xe remimondó.[16] || para vocês enviado de mim.

Aîkó niã ixé || Estou eu, com efeito,

peẽme opamenhẽ ma’e || a vocês todas as coisas

monhangagûama resé. || para fazer futuramente.

Sasyeté ã[17] || É muito dolorosa, isso é,

[ 13 ]ixébe[18] || para mim

ma’eaíba pe remimonhangûera resé || por causa das coisas más, as feitas no passado por vocês,

kó marana, || esta guerra[19],

pe raûsubare’yma. || de vocês não me compadecendo.

Marãnamo, || Por quê,

kó yby poretéramo || desta terra como habitantes verdadeiros

pe rekóreme, || se vocês estão,

amarãmonhangype[20] || faço guerra

oré[21] gûasembaba ri[22]? || com nossos chegados?

Na saûsubarypyramo ruã || Não como aqueles de quem se compadece

sekóû? || estão eles?[23]

Ma’ẽtepe é mokõî ygûã || Ora, duas vezes já

maramonhangápe? || em luta?

Oré resé[24] omaramonhãba’e, || Contra nós os que lutavam,

apŷabaíba pitikoara[25], || Os homens maus potiguaras,

kanhẽmbabi[26] Serinha’ẽme[27]. || pereceram todos em Serinhaém[28].

Apŷabaíba pytybõsara || Dos homens maus os ajudantes,

opakatu i kanhemi || todos eles pereceram

kûesé akỹ[29] || ontem, lamentavelmente,

maramonhangápe. || na batalha.

Apŷabaíba irũnamo || Com os homens maus

o a’o resé || para sua própria desonra

omaramonhãba’epûera, || os que lutaram,

opakatu i kanhemi || todos eles pereceram

[ 14 ]oré suí. || por nossa causa[30].

N’onheme’engi[31] îeí || Não se deu hoje

ãgûa supé quartel[32]. || para eles quartel.

Marãnamo, || Por quê,

kó yby poretéramo || desta terra como habitantes verdadeiros

ãgûa rekóreme? || se eles estão?

Peîkugûa[33]katu karaíba[34] || [Vocês] conhecem bem os portugueses

opabenhẽ[35] mba’eaíba || [por] todas as coisas más,

pe remimonhanga resé, || obra de vocês

opabẽ[36] culpa[37] seîtykite[38] || toda a culpa [vocês] a lançaram fora, porém,

a’ereme, || então,

koba’e suí || dela

pe pysyrõagûama[39] resé. || para o futuro livramento de vocês.

Kó ixé || Eis que eu,

pe rekorama, || de vocês o futuro proceder,

pe remimonhangûama, || as futuras ações de vocês,

pe rekomonhangaba || as determinações a vocês

aîmondó benhẽ || mando-as de novo

peẽme || a vocês

ta peîmoabaíb ymẽ || para que não tenham dificuldades [para que não façam difíceis]

apŷabaíba, || (com) os homens maus,

oîopa’ũme, oîoirũnamo || entre si [e] consigo,

pe rerekoaíme[40]. || a vocês no caso de maus tratos.

I xuí || Deles

pe semagûama || a futura saída de vocês[41]

mba’e apŷabaíba ryryîa suí[42] || algo mais que um abalo de homens maus [será]

[ 15 ]peîeangune. || e [vocês] terão medo[43].

Okanhemetá[44] ‘ybama[45], || Perecerão muitos comandantes,

apŷabaíba, || homens ruins,

oré suí. || por nossa causa[46].

Kûesé orogûar[47] benhẽ 4 tubixaba, || Ontem prendemos mais quatro chefes

opabenhẽ i nhanama[48], || e toda a sua gente,

îerobîasaba[49]. || causa de sua confiança.

4 cento[50] i boîá || Quatrocentos subordinados deles,

oîopytera rupi orogûar. || pela metade capturamos.

Amõ okanhem || Alguns morreram

oré suí || por causa de nós

irũnamo || com eles[51].

Okanhẽ capitão André de Souza Bioby, || Pereceu o capitão André de Souza Biobi[52],

capitão Matheus Monteiro[53], || o capitão Mateus Monteiro,[54]

capitão Gaspar Igibaquagiribã || o capitão Gaspar Ijibaquajiribã[55]

opamenhẽ i boîaeté abé. || [e] todos os seus melhores subordinados também.

Peîmo’ang ymẽ, || Não imaginem

[ 16 ]tuîxamonhangápe[56] || , ao fazerem chefes

oré[57] gûasembaba supé, || aos nossos chegados[58],

quartel nheme’enga. || quartel ser dado.

Peîmo’ang ymẽ || Não imaginem

apŷabaíba || os homens maus

oré suí pe pysyrõ. || de nós livrarem vocês.

I xupé nhõ || A eles, somente,

ã quartel nheme’engi. || esse quartel se dá.

Marãnamo, || Por quê,

sobaîygûaramo || como habitantes de outras bandas

sekóreme? || se eles estão?

Emonãnamo, petenhẽumẽ || Portanto, evitem que,

benhẽ abá || de novo, os índios

onhemomotabenhẽmo, || sejam atraídos ainda mais,

apŷabaíba maranirũnamo || dos homens maus sendo companheiros de guerra

o gûekorama[59] resé. || em suas futuras ações.

Naîpotarangaî benhẽî[60] || Não quero mais, de modo algum,

pe kanhema. || a ruína de vocês.

Emonãnamo, opamenhẽ peîor || Portanto, todos venham

xe ropenhana, || me encontrar,

ixébe peîkŷabo[61]. || junto a mim recolhendo-se vocês.

Xe nhyrõngatu ipóne || Eu hei de bem perdoar, certamente,

peẽmene || a vocês

opabenhẽ[62] mba’eaíba || [por] todas as coisas más,

pe remimonhangûera reséne[63]. || obra passada de vocês.

Kó nhõ pe posanga. || Este somente é o remédio de vocês.

Emonãnamo, pepu’ã[64] sesé, || Portanto, fiquem contra eles,

[ 17 ]i xuí pesema. || deles se afastando.

Emonã pe rekóreme, || Se assim for o proceder de vocês,

xe rorybeténe. || eu hei de ficar muito feliz.

Opomoingoîebykatupe[65], || [Eu] os farei estar novamente bem,

akûeme pe rekopûera || de outrora [com] a antiga cultura de vocês

rupikatune. || bem de acordo.

Kó xe nhe’enga rupi || Segundo estas minhas palavras

oîkó e’iba’e[66] a’eîpe[67] ne: || estarão os que se acharem aí:

i mokanhemetepyramo nhẽ || como os que serão muito arruinados, com efeito,

sekóûne[68] || estarão.

Mamõ monẽ i xóû || Para longe deveriam ir

xe suí oîegûasema[69]. || de mim para fugir.

T’oîmoang ymẽ. || Que não o finjam

abá || os índios

emonã oîkoba’e. || que assim fizerem.

Kó marana || Esta guerra

akûeme akỹ[70] || há tempos, ai!,

amõ armada rekopûera îabé; || é um pouco como o antigo estado da armada[71];

sekó || sua condição

akûeîba’e rekó. || [é] a condição daquela.

Ixé aé || Eu mesmo

aîkugûá[72] tekó. || reconheço o fato.

Peteymẽ[73] peîeagûabo[74], || Guardem-se de se desonrarem,

pekûaẽmo[75] xe suí. || escapando-se de mim.

[ 18 ]Aîme’engatu ipóne || Hei de dar certamente

perdão geral[76] || o perdão geral

peẽmene. || a vocês.

Xe remimotaramo || Como aqueles que eu desejo

peîkóne. || [vocês] estarão.

Opamenhẽ || Todos

morubixabetá abá || os chefes índios

oîerureté peẽme || pedem muito a vocês

pe ruragûama[77] resé. || pela vinda futura de vocês.

A’e abé oîme’ẽ[78] || Eles também darão

perdão geral peẽmene[79] || o perdão geral a vocês

og[80] ubixaba || de seu próprio chefe

ogû[81] ekomonhangaba rupi. || segundo as ordens a eles.

Oîe[82], 19 de agosto de 1645. || Hoje, 19 de agosto de 1645.

Capp.am Mor Camarão


(A mensagem a seguir, escrita no final da carta, parece ser de outra pessoa. Há um enorme rabisco sobre ela, que semelha uma rubrica. Ali, lemos o seguinte:)

Pe îerobîare’yme, || No caso do não confiar de vocês,

i aparypyramo[83] || como os que são aleijados.

peîkó. || [vocês] estão.

Maranamo aîuruîuba[84] || Por que os holandeses

oîme’eng ûã || entregaram já

kó yby || esta terra

karaíba supé? || aos portugueses?

Emonãnamo, || Portanto,

peîkugûá pe rekó. || reconheçam a condição de vocês.


(No final da página, há uma mensagem breve do capitão Simão Soares, seguida de sua assinatura:)


[ 19 ]Ixé anama gûy, || Ó meus parentes,

aîur ké || vim aqui

pe rerosema[85] || para fazer vocês saírem comigo

tekoabaíba suí. || de uma morada ruim.

Kó bé aîkó. || Eis que aqui também estou.

Peîerobîar ixé resé. || Confiem em mim.

Capp. am Simão Soares – Paraíba


(E, no canto inferior, do lado esquerdo, com a mesma letra da mensagem acima, lemos:)

T’i por || Que se realizem

aîpó[86] xe[87] nhe’enga. || essas minhas palavras.


Carta 2 - De Felipe Camarão[88] a Antônio Paraupaba, de 4 de outubro de 1645 (Figura 2)

TRADUÇÃO

Envio-te estas minhas palavras, estando como teu verdadeiro pai, na verdade. Será que isto é contra tua vontade? Por quê? Estando eu como teu verdadeiro pai, não quero tua morte sem sentido, por seres tu um cristão, como se fosse aquele animal que não conhece a Deus.

Acaso tu estás gostando de estar com os homens maus? Com certeza, tu já tens nas tuas mãos agora tudo o que é grande. Que mais tu queres ainda deles? Tu estás sendo autêntico, de fato, (dizendo que estás) gostando deles, em tua condição de cristão, querendo matar, na verdade, teu corpo e, principalmente, tua alma? Não posso ver, sem me importar, esse teu procedimento, por te amar de verdade.

Informamos-te sobre o que tu farás se vieres diante de mim. Em toda esta terra eu posso, por minha vontade, perdoar-te pelas coisas más que tu fizeste, se tu vieres diante de mim. Portanto, deixa de acreditar nas palavras desses holandeses ou índios maus que fogem de mim com as esposas de seus próximos e quando eles contarem palavras fantasiosas minhas.

Esses brancos são sempre aquilo que tu bem conheces, em nós querendo seus escravos. Eles transgridem muito as promessas que te fazem. Fazem-nas a ti e não poupam de modo nenhum a vida de vocês, como dizem. Por que lhes fazem promessas? Para que eles (isto é, ‘os outros potiguaras’) não fiquem procurando seu próprio chefe, para que esses estejam com aquele homem ruim. Aquele holandês até lhes diz que lutem com seu Capitão-Mor e que, então, vai tratar as esposas deles ou seus filhos e filhas como seus amigos. Ele tenta inventar palavras horríveis que eu teria dito para vocês, para que eu não os salve.

[ img ]
 

Figura 2. Carta 2, de Felipe Camarão a Antônio Paraupaba, de 4 de outubro de 1645.

[ 21 ]Portanto, deixa de acreditar nessas coisas. Eu não sou um homem branco, mas, sim, o teu próprio pai. Assim sendo, que não dificultes a futura retirada dos nossos parentes que estão contigo, por causa dos homens maus. Que tragas a todos eles diante de mim. Eu perdoo também àqueles que estão contigo.

Teus avós não podem anular por si sós nossos regimentos. A anulação de uma única lei nossa não é mais como antigamente. Os velhos, segundo eles mesmos, acham que (matar os potiguaras aliados dos holandeses) é uma chacina.

Esses próprios homens maus é que nos obrigaram a fazer essa lei e, então, nós estamos buscando que tu não te desgraces. Vamos, mostra que tu não me repudias como esses homens ruins, estando tu na terra deles!

Eu vou para Paraguaçu, buscando aquela nossa futura morada. Eu não posso deixar desaparecer de nós mesmos as tradições do meu finado pai. Portanto, retira nossos parentes dos homens maus e venham para diante de mim. Não tenham medo de mim. Fazer isso não será difícil para vocês, de modo algum, se tu o quiseres.

Eu envio também esse teu tio (ou ‘primo do teu pai’), o sargento-mor Dom Diogo Pinheiro, para vocês fazerem isso. Que o Senhor Deus ajude vocês nisso, para sua felicidade, conforme a minha vontade.

Hoje, 4 de outubro de 1645.

O pai de todos vocês,

Capitão-Mor Camarão


TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA

Kó xe nhe’enga || Estas minhas palavras

aîmondó endébe, || envio-as a ti[89],

nde rubetéramo || como teu pai verdadeiro

gûitekóbo é. || estando, na verdade.

Nde remimotare’yma rupi é serã? || Será que está conforme ao que tu não desejas? (ao teu não desejar?)

Marãnamo? || Por quê?

Nde rubetéramo || Como teu pai verdadeiro

gûitekóbo, || estando eu,

n’aîpotari, || não quero,

christãoramo || na condição de cristão

nde rekóreme, || por estares tu,

nde kanhẽ tenhẽnhã[90], || tua morte sem sentido,

aké so’o[91] || [d]aquele animal

Tupã kugûapare’yma || que a Deus não conhece

rekó[92] îabé. || como o ser [como se fosse].

Nde moapysyk ygûã, || Agrada-te já,

nipó, || porventura,

apŷabaíba irũnamo || com homens maus

[ 22 ]nde rekó? || tu estares?

Opab ygûã || Tudo já,

nipóne || com certeza,

turusuba’e || o que é grande

ererekó || tens

nde pópe ko’y. || nas tuas mãos agora.

Ma’e abépe || Que mais

ereîpotarybé i xuí? || queres ainda deles?

Nde reté é ã || Tu és verdadeiro, mesmo,

saûsupápe eîkóbo, || a amá-los estando,

christãoramo || como cristão

nde rekó pupé, || em tua condição,

nde reté || teu corpo

memẽ nde ‘anga || [e], mais ainda, tua alma

mokanhẽeté potá? || querendo arruinar, na verdade?

[93] nde rekó || Esse teu proceder

n’a‘ekatuî || não posso,

nhẽ[94] sepîaka, || sem mais, vê-lo,

nde raûsupa é. || por te amar[95] de verdade.

Kó nde rekorama resé || Acerca daquilo que farás

oromongakugûá[96] || informamos-te,

xe robaké || diante de mim

nde rureme. || se vieres.

Opabenhẽ kó yby pupé, || Em toda esta terra

ma’eaíba || as coisas más,

nde remimonhangûera resé || obra passada de ti,

a’ekatu[97], || posso,

xe robaké || diante de mim

nde rureme, || se tu vieres,

xe nhyrõnamo[98] endébe, || perdoar eu a ti,

xe remimotara rupikatu. || inteiramente por minha vontade.

Emonãnamo, || Portanto,

[ 23 ]etenhẽumẽ || evita

ã karaíba || desses brancos

koîpó apŷabangaîpaba || ou índios maus

xe suí || de mim

ogû[99] apixara remirekó || as esposas de seus próximos

reroîabapara || que fazem fugir consigo

nhe’enga, xe nhe’ẽmo’anga mombe’u rerobîáne. || acreditar nas palavras, no contarem [deles] palavras fantasiosas de mim.

Memẽ ã karaíba || Sempre esses brancos

nde remikugûakaturamo || como o que é bem conhecido de ti

sekóû, || estão,

nhandé resé || em nós

ogû[100] emiaûsupotaramo[101]. || seus próprios escravos querendo.

A’e endébe || Eles para ti

nhe’engabyeteeté. || [são] muitíssimo transgressores das (próprias) palavras.

Osa’ang endébe, || Declaram-nas a ti

n’oîme’engangaî ahẽ || [e] não dão eles de modo nenhum

peẽme || a vocês[102]

quartel e’iba’e. || o quartel[103] que dizem.

Nhe’enga osa’ang peẽme. || Palavras dirigem a vocês (i.e., fazem-lhes promessas).

Marãnamo? || Por quê?

T’oîkó ymẽ ahẽ || Para que não estejam eles[104]

og[105] ubixaba reseká, || procurando seu próprio chefe[106],

t’oîkó nhẽ kó || para que estejam esses

ahẽ apŷabaíba irũnamo, || com aquele homem mau[107],

“-T’omarãmonhang ||“– Que lutem (eles)

o Capitão-Mor resé, || com seu Capitão-Mor

a’ereme t’arekó || e, então, hei de tratar

kó ahẽ remirekopûera[108] || essas esposas deles

[ 24 ]koîpó ta’yrûera[109], taîyrûera[110] || ou seus filhos e suas filhas

xe remiaûsubamo ká,” || como meus amigos”

o’îabo é ã karaíba. || dizendo mesmo esse holandês[111].

Xe nhe’engabaeteeté || De mim palavras[112] muito medonhas

mo’anga ra’angi || (ele) tenta inventar

peẽme || para vocês,

ixé pe pysyrõ suí é. || para de mim a não salvação de vocês.

Emonãnamo, || Portanto,

etenheumẽ[113] || evitarás

ã mba’e rerobîáne. || nessas coisas acreditar.

Na karaíba ruã ixé. || Não um homem branco eu [sou].

Nde ruba é ã ixé. || Teu próprio pai de fato eis que eu [sou].

Emonãnamo, || Portanto,

t’ereîmoabaíb ymẽ || que não dificultes,

apŷabaíba suí[114] || por causa dos homens maus,

nhandé anametá || [de] nossos parentes

nde irũmo oîkoba’e || que estão contigo

rerosemagûama. || a futura retirada.

T’ererur ãgûa || Que tragas (a) eles

xe robaké opakatu. || diante de mim todos.

Xe nhyrõ[115] ãgûa supé || Eu perdoo àqueles

nde irũnamo bé. || contigo também.

N’îa’ekatuî[116] nde rambynha || Não podem teus avós[117]

nhandé rekomonhangagûera || nossos velhos regimentos[118]

mokanhemetekatûabo îaîkóbo || estar destruindo verdadeiramente,

[ 25 ]oîoupi nhẽ nhõ. || de acordo com eles mesmos, sem mais, somente.

Nhomokanhema || A anulação

oîepé nhandé rekó pupé || em uma única lei nossa

na rima’e[119] bé ruã. || não é mais como antigamente.

Tuîba’e || Os velhos

kó îoapiti || isso uma matança[120]

rerekóû || consideram

oîoupi. || segundo eles mesmos.

Kó apŷabaíba é || Esses homens maus, mesmo,

ã kó tekó || eis que esta lei

oîmonhangukar, || obrigaram a fazer,

nhandé a’ereme é || e nós, então, na verdade,

nde rekokaturama || [de] tua futura felicidade

rekasápe[121] é. || [estamos], de fato, na busca.

Eré kó || Mostra-te, eia,

[122] apŷabaíba || desses homens maus

retãme || na terra

eîkóbo, || estando tu,

na xe pe’abo ruã || não me repudiando

a’e îabé![123] || como eles!

Ixé asó Paragûasupe || Eu vou para o Paraguaçu,

ã nhandé rekorama || essa nossa futura morada

reká é. || buscando (para buscar), na verdade.

Ixé na’ekatuî || Eu não posso

xe rubamyrĩ || do meu finado pai

nhandé rekokatumonhangaba[124] || nossas tradições

mokanhema || fazer desaparecer

nhandé îosuí. || de nós mesmos[125].

Emonãnamo, || Portanto,

t’ererosẽ || que faças sair contigo

apŷabaíba suí || dos homens maus

[ 26 ]nhandé anametá || nossos parentes

xe robaké. || [para] diante de mim.

Penheangu ymẽ xe suí. || Não tenham medo de mim.

Aîpó pe rekó || Esse ato de vocês

n’i[126] îabaibangáî || não é, de modo algum, difícil,

kó tekó endé i potareme || se esse ato tu quiseres

i monhanga. || realizá-lo.

Ebokûeî bé || Esse também

nde ruba[127], || teu tio (ou primo do teu pai),

sargento-mor Dom Diogo Pinheiro, || o sargento-mor Dom Diogo Pinheiro,

aîmondó || envio

aîpó pe rekó resé. || para essa ação de vocês.

Pa’i Tupana || O Senhor Deus

kó tekó resé || nessa ação

ta pe popytybõ || que ajude vocês,

pe rekokaturama resé, || para sua futura felicidade,

xe remimotara rupi. || conforme a minha vontade.

Oye[128], 4 de outubro de 1645. || Hoje, 4 de outubro de 1645.

Opabenhẽ pe ruba || De todos vocês o pai,

Capp.am Mor Camarão || Capitão-Mor Camarão


Carta 3 - De Felipe Camarão a Pedro Poti, de 4 de outubro de 1645 (Figura 3)

TRADUÇÃO

Que o Senhor Deus faça chegar bem esta minha carta Consigo, para tua salvação e para minha alegria também. Eu, aqui, na Vargem, onde moro, não ajo mal ao fazer a ti as coisas, conforme é da minha vontade.

Envio-te estas minhas palavras novamente, sendo teu verdadeiro parente. Hás de mandar matar novamente, como antes fizeste, o que te leva esta minha carta? Que mandaste matar o outro, isso eu já sei.

Nesta guerra, conhecendo eu bem os fatos, não estou admirado com esse teu comportamento. Por quê? Sei bem que estás nas mãos dos homens maus (dos holandeses) e que tu, além disso, estás bem e que gostas deles.

Fizeram vir esse teu irmão, o Capitão Diogo da Costa, para me contar o que tu disseste. Dizem que um holandês, teu amigo, trouxe tua mensagem para ele, transmitindo-a conforme ela era.

[ img ]
 

Figura 3. Carta 3, de Felipe Camarão a Pedro Poti, de 4 de outubro de 1645.

[ 28 ]Envio-te teu irmão mais velho, o Capitão Diogo da Costa, para levar minha carta agora. Mando para aí (também) teu irmão mais novo, o Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro, para apoiar vocês, sendo eu cristão e pai verdadeiro de todos.

Nossas antigas terras, nossos velhos ritos, tu com esses nossos parentes paraibanos, os de Cupaguaó, os de Uruburema, os de Jareroí, os de Guiratiamim, todos os antigos filhos dos habitantes da caatinga, tudo e todos estão sob as leis dos insensatos, assim como teu corpo e tua alma também estão.

Para que tu não continues a prejudicá-los, como costumas fazer, estas minhas palavras eu te mando para que tu saias de perto dos (holandeses), homens ruins. Portanto, tu hás de dificultar a retirada de toda a nossa gente deles? Não é difícil, não que tu saias com eles, se tu o quiseres. Portanto, evita estar segundo a lei desses nossos parentes insensatos, desgraçando-te muitíssimo. Também envio para aí esse teu irmão mais novo, Dom Diogo Pinheiro, se tu saíres para longe dos (holandeses,) homens maus, para que te salves.

Assim, antes de saíres, que faças teu irmão ficar bem, (deixando-o são e salvo). Portanto, traze teu avô, o velho Araruna, teu pai Jaguarari, todos os outros parentes nossos, fazendo-os sair contigo daí. Se tu fizeres isso para El Rey, será uma ação muito grandiosa de ti.

Eis que estou junto a ti para apoiar tua ação, que será desgastante. Tu viverás futuramente não como os homens maus te trataram.

Portanto, crê em minhas palavras. Todos os moradores te elogiam para mim, ficando eu muito feliz por isso.

Minhas palavras a ti são somente estas. Que o Senhor Deus te ajude em tudo o que fizeres.

Hoje, 4 de outubro de 1645.

O substituto de todos os nossos pais,

Teu irmão mais velho,

Capitão-Mor Camarão


TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA

Pa’i Tupana || Que o Senhor Deus

kó xe papera[129] || esta minha carta

t’ogûerosy[130]katu || faça chegar consigo,

nde marane’yma supé[131] || para tua conservação,

xe rorybagûama resé. || para minha alegria futura.

Ixé ã ké, || Eis que eu, aqui,

Vargem pupé, || na Vargem,

xe rekoápe[132], || na minha morada,

na xe marani nhẽ || eu não [estou] mal, de fato,

endébe || a ti

ma’e || as coisas

monhangagûama resé, || para fazer

[ 29 ]xe remimotara rupikatu. || bem de acordo com minha vontade.

Aîmondó benhẽ || Envio novamente

ã xe nhe’enga || estas minhas palavras

endébe || a ti,

nde anametéramo || como teu parente verdadeiro

gûitekóbo é. || estando eu.

T’ereîukáukar || Hás de mandar matar

benhẽ é serã || novamente, mesmo,

nhandu || como de costume,

endébe || a ti

kó xe papera rerasoara? || desta minha carta o levador (o que leva)?

Ma’ẽ ra’e || Vê, então,

amõ ereîukaukar ygûá[133], || que o outro mandaste matar,

a’eba’e ã || isso aí

aîkugûab ygûã. || sei já.

Kó marana pupé, || Nesta guerra,

tekó kugûaparamo || dos fatos como conhecedor

gûitekóbo é, || eu estando, de fato,

na xe putupabi || não estou eu admirado

aîpó nde rekó resé. || por esse teu procedimento.

Marãnamo? || Por quê?

Aîkugûakatu || Sei bem

apŷabaíba pópe || nas mãos dos homens maus

nde rekó, || estares tu,

nde rekobé[134] abé, || estares tu bem disposto, também,

endé saûsuba. || [e] amares tu a eles.

Omour[135] || Fizeram vir

ã nde ryke’yra[136], || esse teu irmão mais velho,

Capitão Diogo da Costa, || o capitão Diogo da Costa,

nde nhe’engûera || tuas palavras que foram (i.e., as que disseste)

ixébe || a mim

i mombegûabo. || para contá-las.

Karaíba, || Um branco,

[ 30 ]nde raûsupara ra’e[137] || teu amigo, conforme dizem,

nde nhe’engûera || tuas palavras que foram (i.e., as que disseste)

ogûerur || fez vir consigo

i xupé, || para junto dele

i mombegûabo || contando-as

a’e rupibé. || conforme elas [são].

Nde ryke’yra || Teu irmão mais velho,

Capitão Diogo da Costa, || o Capitão Diogo da Costa,

aîmondó endébe || envio a ti

xe papera rerasóbo || minha carta fazendo ir consigo

ko’y ã[138]. || agora.

Nde rybyra[139], || Teu irmão mais novo,

Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro, || o Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro,

aîmondó || envio

ebokûé koty || para aí

opabenhẽ pe resé, || por todos vocês,

opabenhẽ pe rubetéramo || de todos vocês como pai verdadeiro

gûitekóbo é, || estando eu, na verdade,

cristãoramo. || [e] na condição de cristão.

Nhandé rupagûera, || Nossos antigos pousos[140],

nhandé rekomonhangagûera, || nossos velhos ritos,

endé abé, || tu também,

ã nhandé anama || esses nossos parentes

Paraibygûara, || paraibanos (habitantes da Paraíba),

Kupagûaoygûara[141], || os (habitantes) de Kupagûaó,

Uruburemygûara[142], || os (habitantes) de Uruburema,

Yareroîygûara[143], || os (habitantes) de Iareroí,

[ 31 ]Gûyratiamygûara[144], || os (habitantes) de Guiratiamim,

opabenhẽ || todos

ka’atingygûara ra’yrûera, || os antigos filhos dos habitantes da caatinga[145]

tekokugûabe’yma rekó rupi, || dos desatinados segundo a lei (estão),

nde reté || teu corpo

memẽ nde ‘anga. || [e], mais ainda, tua alma (estão).

Endé i mokanhema benhẽ nhã[146] suí é || Para tu não os arruinar novamente, como de costume,

ã xe nhe’enga || estas minhas palavras

aîmondó endébe || envio a ti

apŷabaíba suí || dos homens maus

nde semagûama resé. || para tua futura saída.

Emonãnamo, || Portanto,

t’ereîmoabaíbyne || hás de dificultar

apŷabaíba suí || dos homens maus

opabenhẽ nhandé anama || de todos os nossos parentes

rerosemagûama? || a futura saída contigo?

N’iî abaibangaî || Não é difícil, de modo algum,

endé ãgûa rerosema, || tu a eles fazer sair contigo

endé i potareme. || no caso de tu o quereres.

Emonãnamo, || Portanto,

etenheumẽ || evita

ã nhandé anama || desses nossos parentes

tekokugûabe’yma || insensatos

rekó rupi || segundo a lei

eîkóbo[147], || estar,

enhemokanhẽetekatûabone. || desgraçando-te muitíssimo.

Emokûeî[148] bé nde rybyra, || Também esse teu irmão mais novo,

Dom Diogo Pinheiro, || Dom Diogo Pinheiro,

aîmondó ebokûé koty, || envio para aí,

kûépe || para longe

nde sẽme[149] || no caso da saída de ti.

apŷabaíba suí, || dos homens maus,

[ 32 ]nde pysyrõarama resé. || para tua futura salvação.

Emonãnamo, || Portanto,

nde sẽ nhanondé[150], || antes de tua saída,

t’ereîmo’ekatu || que faças ficar bem (que favoreças)

nde rybyra || teu irmão mais jovem[151]

nde rekorama resé. || em tuas ações futuras (naquilo que fizeres).

Emonãnamo, || Portanto,

nde ramỹînha, || teu avô,

tuîba’e Araruna, || o velho Araruna,

nde ruba Îagûarari, || teu pai Jaguarari,

amõ opabenhẽ || os outros todos

nhandé anama || nossos parentes,

t’ererur, || que os faças vir contigo,

senosema[152]. || fazendo-os sair contigo.

Koba’e tekó, || Isto [será] uma ação,

ma’egûasueté || uma coisa muito grandiosa

endébene, || para ti,

endé i monhangeme || no caso de tu a fazeres

El Rey supéne. || para El Rey.

Kobé aîkó || Eis que estou

endébe || junto a ti

nde rekó resé, || por tua ação[153],

i kane’õba’erama. || que será desgastante (cansativa).

Na apŷabaíba || Não dos homens maus

nde rerekopûera îabé ruã || como o antigo modo de te fazerem estar consigo

irã ereîkóne. || futuramente estarás.

Emonãnamo, || Portanto,

erobîar || crê[154] [em]

xe nhe’enga. || minhas palavras.

Opabenhẽ moradores || Todos os moradores

nde mombe’ukatu || te louvam

ixébe, || diante de mim,

koba’e resé || por causa disso

xe rorybeté gûitekóbo. || eu muito feliz estando.

[ 33 ]Aîpó nhõ || Essas[155] somente

xe nhe’enga endébe. || [são] minhas palavras a ti.

Pa’i Tupana || O Senhor Deus

ta nde popytybõ || te ajude

nde rekorama resé. || em tuas ações futuras.

Oîe, 4 de outubro de 1645. || Hoje, 4 de outubro de 1645.

Opabenhẽ nhandé ruba || De todos os nossos pais

rekobîara, || o substituto,

nde ryke’yra, || teu irmão mais velho,

Cappam Mor Camarão. || Capitão-Mor Camarão[156].


Carta 4 - De Diogo da Costa a Pedro Poti, de 17 de outubro de 1645 (Figura 4)

TRADUÇÃO

Que o próprio Deus chegue com minha cartinha para tua salvação, ó meu irmãozinho Pedro Poti. Enviamos a ti também essa minha cartinha.

De que tens ressentimentos? Nós nos dividimos ao meio. De que te ressentes?

Vem, saindo daí. Há já algum tempo estou ficando cansado de ti. Teu primo também, o Capitão-Mor também e, mais ainda, teu irmãozinho, o Sargento-Mor.

Sai, sem pensar mais, assim que leres esta minha carta. Por que estás gostando dos homens maus? E de mim tu não gostas? Por quê?

Dizendo-me que te enganam, que eu certamente sou um deles, repelindo-me, tu terias afeto por mim?

Não te contarei que os portugueses se importam contigo? O chefe dos portugueses quer muito a tua saída. Todos os portugueses da Paraíba ficariam muito felizes se viessem aqueles que se rendessem contigo.

Se tua saída for difícil, manda algum índio para me informar disso, e eu vou para te retirar. Ou, então, avisa-me por um sinal teu. O chefe quer dar-te, por tua saída, algo muito grandioso. Vem, saindo daí. Tu não gostas de mim?

Morreu teu irmão mais novo, Lippe Tocaia; nossa mãe morreu no Muçuí.

Somente isso te digo, ó meu irmão mais novo.

Teu irmão mais velho, Capitão Diogo da Costa.

Hoje, dezessete de outubro de 1645.

[ img ]
 

Figura 4. Carta 4, de Diogo da Costa a Pedro Poti, de 17 de outubro de 1645.

[ 35 ]TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA

Pa’i Tupana é || O Senhor Deus, [ele] próprio,

xe paperi[157] || minha cartinha

t’ogûerosykatu || que bem faça chegar consigo

nde marane’yma supé, || para tua conservação,

xe rybyri gûy, || ó meu irmãozinho[158]

Pero Potĩ gûy. || Pedro Poti[159].

Ebokûé bé || Também essa

xe paperi || minha cartinha

îamondó endébe. || enviamos[160] a ti.

Ma’e tekópe || De que fatos

ereîmoasy? || te ressentes?

Îaîemonhãmbyterype[161]. || Fizemo-nos pela metade (dividimo-nos).

Ma’epe || De que

ereîmoasy? || te ressentes?

Eîor esema. || Vem, saindo.

Akûéme bé || Desde há tempos

aîkó xe kane’õramo[162] || estou-me cansando

nde resé. || de ti.

Nde ryke’yra bé, || Teu primo (ou irmão) mais velho[163] também,

Capitão-Mor abé, || o Capitão-Mor[164] também,

memẽ nde rybyri, || e, mais ainda, teu irmãozinho,

Saligento[165]-Mor abé. || o Sargento-Mor, também.

Esemĩ[166], || Sai, não mais,

kó xe papera || esta minha carta

repîaka rupibé. || tão logo vires.

[ 36 ]Marãpe ereîkó || Por que estás

apŷabaíba raûsupa[167]? || os homens maus amando?

Ixépe || E a mim

na xe raûsubi îepé? || não me amas tu?

Marãpe? || Por quê?

“Re´ĩ[168] kó xe ganã[169]; || “Ai, eis que me enganam;

nde ipó ahẽ” || tu és deles, certamente”,

e’îabo xebe, || dizendo [isso] a mim,

xe pe’abo, || me repelindo,

nde îoseî[170] xépemo? || tu serias desejável para mim?

Karaíba nde anga’o || Os portugueses contigo importarem-se

naîmombe’uî xûé || não contarei

ndebe? || a ti?

Opotar[171] eté || Quer muito

karaíba murubixaba || o chefe dos portugueses[172]

nde sema. || tua saída.

Sorybeté niã || Estariam muito felizes, com efeito,

opabenhẽ karaibetá[173] || todos os portugueses

Paraibygûara || (habitantes) da Paraíba,

nde îeme’engagûera[174] || os companheiros de tua passada rendição,

rureme. || no caso de virem.

Nde sema || Tua saída,

abaíme[175], || difícil no caso de [ser],

eîmour || faze vir

abá amõ || algum índio

xe mongakuapa[176] || para me informar,

t’asóne || [e] hei de ir

[ 37 ]nde renosema, || para te fazer sair comigo,

koîpó endé || ou de ti

i kugûapaba rupi. || por um meio de saber dela.

Ome’ẽmotá[177] || Quer dar,

niã morubixaba, || com efeito, o chefe

nde sema resé, || por tua saída,

ma’ẽgûasueté || algo muito grande

ndebe. || para ti.

Eîor esema. || Vem, saindo.

Na xe raûsupe îepé? || Não me amas tu?

Omanõ raka’e[178] || Morreu

nde rybyra || teu irmão mais novo

Lippe Tokaîa; || Lippe Tocaia;

îandé sy omanõ || nossa mãe[179]

Musu’ype. || morreu no Muçuí[180].

Aîpó nhote, || Isso somente [te digo],

xe rybyry gûy. || ó meu irmão mais novo.

Nde ryke’yra, || Teu irmão mais velho,

Capitão Diogo da Costa. || Capitão Diogo da Costa.

Oîe, daçaçeti de oitubro, 1645. || Hoje, dezessete de outubro de 1645.


Carta 5 - De Diogo Pinheiro Camarão a Pedro Poti, de 21 de outubro de 1645 (Figura 5)

TRADUÇÃO

Ao senhor Capitão Pedro Poti o próprio Deus, Nosso Senhor, te dê saúde.

Antes de tu leres esta minha carta, que saibas que eu estou muito feliz, e pergunto pela saúde de todos vocês, eu também não estando mal, na verdade.

Para fazer-lhes as coisas, as coisas que vocês desejam, para fazer as coisas, envio estes meus soldados aí, perto dos teus caminhos, para a saída de vocês, dizendo-lhes: – Observem a saída de alguns dos seus.

Mandei o capitão Diogo da Costa, dizendo-lhe: – Prenda alguns homens ou algumas mulheres para conversar e diga a eles que vocês foram para retirá-los. Conversem com eles primeiro e, depois de conversar, faça-os ir para dar notícias a vocês.

[ img ]
 

Figura 5. Carta 5, de Diogo Pinheiro Camarão a Pedro Poti, de 21 de outubro de 1645.

[ 39 ]Envio-te estas minhas palavras, senhor Pedro Poti, como coisa sabida de Nosso Senhor Deus. Por quê? Vê que eu sou teu parente legítimo. Vem para sair do que é parecido ao fogo do diabo. Reconhece tua condição de cristão! Por que queres perder verdadeiramente tua condição de cristão? Por que queres verdadeiramente perder teu estado de filho do Senhor Deus? Que queres fazer, na verdade?

Sendo ignorante, tu estás, de fato, querendo muitíssimo arruinar-te. Quantos cristãos perdidos viste? Não são os portugueses que se perdem. Por quê? Porque, por serem cristãos, o Senhor Deus não pode os fazer perecer.

Aqui estamos, novamente, querendo a retirada de vocês, conforme as palavras do senhor Capitão-Mor Antônio Felipe Camarão e também conforme as palavras do chefe de todos os portugueses.

Eu estou admirado com vocês, vendo sua fuga para longe de nós; mas não somos nós seus parentes? Por que vocês nos detestam? Nós não lhes fizemos nenhum mal. Tudo bem, vocês não fizeram nenhum mal para nós.

Para aí também vai a carta do Capitão-Mor para ti. Vai também para aí outra carta do Capitão-Mor para Antônio Paraupaba.

Oxalá o Senhor Deus entrasse em seus corações, ó cristãos! E se vocês saíssem, nós estaríamos muito felizes, para vê-los sempre.

Para aí também mandei duas mulheres até vocês, para levar notícias e para que te contem minha situação aqui.

Vão essas notícias somente. Que vocês estejam vivendo bem. O Senhor Deus esteja com vocês.

Hoje, 21 de outubro de 1645.

Teu irmão mais novo e teu amigo, Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro Camarão.


TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA

Ao sñor[181] Capitão Pedro Potĩ[182] || Ao senhor Capitão Pedro Poti

Îandé Îara || Nosso Senhor

Pa’i[183] Tupã é || Deus, ele próprio,

tekobekatu || saúde

t’ome’eng[184] endébe. || dê a ti[185].

Ikó xe papera || Esta minha carta

endé sepîak îanondé, || antes de tu a veres,

xe rorykatu ã || eu estou muito feliz,

opabenhẽ pe || de todos vocês

marane’yma resé || acerca da saúde

gûiporandupa, || perguntando,

xe abé ã, || eu também,

na xe marani nhẽ || não mal, com efeito,

[ 40 ]gûitekóbo. || estando eu.

Peẽme || A vocês

ma’e || das coisas

monhangagûama resé, || para a realização futura

ma’e pe remimotara, || as coisas de vocês desejadas[186],

ma’e monhangagûama resé || das coisas para a realização futura,

aîmondó || envio

ã xe soldados ebapó, || estes meus soldados aí,

nde rapé ypype, || junto dos teus caminhos,

pe sema resé, || para a saída de vocês,

“-Pekûaî || “Vão

ãgûa amõ || de alguns deles

sema repîaka” || para ver a saída”,

gûi’îabo. || dizendo eu.

Aîmondó || Enviei

Capitão Diogo da Costa, || o Capitão Diogo da Costa:[187]

“-Peîpysyk[188] abá amõ || “– Prendam alguns homens

koîpó kunhã amõ || ou algumas mulheres

ta peîmongetá”. || para que (vocês) conversem”.

“-Pe renosema é || Para vos fazer sair conosco, na verdade,

ikó oroîur” || eis que viemos”,

peîé i supé[189]. || digam a eles.

“Peîmongetá ranhẽ; || “Conversem com eles primeiro;

i mongetá roîré, || depois de conversar com eles,

ta peîmondó || que os façam ir

ãgûa mongakuapa”, || para a eles[190] dar notícias”,

gûi’îabo[191]. || dizendo eu.

Pa’i Tupã Îandé Îara || De Nosso Senhor Deus

reminguabamo, || como o que é sabido,

ikó xe nhe’enga || estas minhas palavras

aîmondó endébe, || envio-as a ti,

[ 41 ]Snor Pedro Potĩ. || senhor Pedro Poti.

Marãnamo? || Por quê?

Xe ã || Eis que eu

nde anama retekatu. || [sou] de tua família corpo verdadeiro.

Eîor esema || Vem saindo

Anhanga[192] ratá || [ao] fogo do diabo

nungara suí. || do que é parecido.

Eîkuab || Reconhece

cristãoramo || como cristão

nde rekó! || tua condição!

Marã || Por que

ereîmokanhẽmotaretekatupe || queres arruinar verdadeiramente

cristãoramo || como cristão

nde rekó? || teu estar?

Marã || Por que

ereîmokanhẽmotaretépe || queres verdadeiramente arruinar

Pa’i Tupã || do Senhor Deus

ra’yramo || como filho

nde rekó? || teu estado?

Marã ereîkopotaretépe? || Que queres fazer na verdade?

Tekokuabe’ymamo, || Sendo desatinado,

erenhemokanhẽmotaretekatu || querendo muitíssimo arruinar-te

endé anhẽ || tu verdadeiramente

eîkóbo. || estás[193].

Mobype || Quantos

cristão-kanhema || cristãos perdidos

eresepîá[194]? || viste?

Karaíba || Os portugueses

na okanhemba’e ruã. || não são os que se perdem.

Marãnamo? || Por quê?

Cristãoramo || Como cristãos

sekóreme, || por estarem eles,

nd’e’ikatuî || não pode

Pa’i Tupã || o Senhor Deus

i mokanhema. || fazê-los perecer.

[ 42 ]Ikó bé oroîkó || Aqui novamente estamos,

pe renosema motá[195], || querendo a saída de vocês conosco,

sr. Capitão-Mor || do Sr. Capitão-Mor

Antônio Felipe Camarão || Antônio Felipe Camarão

nhe’enga rupi, || conforme as palavras,

opabenhẽ || [e] de todos

karaíba || os portugueses[196]

rubixaba nhe’enga rupi bé. || do chefe conforme as palavras também.

Xe putubabeté ã gûitekóbo || Eis que eu estou-me admirando

pe resé, || com vocês,

oré suí || de nós

pe nhegûasema || sua fuga

repîaka; || vendo;

na pe anama ruãtepe oré? || mas não somos nós parentes de vocês?

Ma’e resépe || Por que

oré amotare’ym peîepé? || nos detestam vocês?

Oré n’oromonhangi[197] || Nós não fizemos

ma’eaíba amõ || coisa má alguma

peẽmo. || a vocês.

Neĩ, peẽ || Tudo bem, vocês

na peîmonhangi || não fizeram

ma’eaíba amõ || coisa má alguma

orébe. || para nós.

Emokûeî bé || Para aí também

capitão-mor papera || do Capitão-Mor a carta

sóû || vai

endébe. || para ti.

Emokûeî bé || Para aí também

Antônio[198] Paraupaba supé || para Antônio Paraupaba

amõ capitão-mor papera || outra carta do Capitão-Mor

sóû. || vai.

Pa’i Tupã || O Senhor Deus

temõ || oxalá

oîké || entrasse

[ 43 ]pe py’a[199] pemo, || em seus corações,

cristão gûé! || ó cristãos.

A’emo pe sẽmo[200] || E se vocês saíssem,

oré rorybetémo[201], || nós estaríamos muito felizes,

pe sẽmemo, || se vocês saíssem,

memẽ pe repîakamo[202]. || para vê-los sempre.

Emokûeî bé || Para aí também

mokõî kunhã[203] || duas mulheres

aîmondó || enviei

peẽme, || para junto de vocês,

moranduba rerasóbo, || para as notícias fazerem ir consigo

t’omombe’u || [e] para que relatem

ké xe rekó || aqui minha situação

endébe. || para ti.

Aîpó nhõ || Essas, somente,

moranduba || notícias

sóû. || vão.

Peîkobekatu peîkóbo. || Estejam (vocês) vivendo bem.

Pa’i Tupã || O Senhor Deus

t’oîkó || esteja

pe irũnamo. || com vocês.

Hoje 21 de outubro, 1645 anos. || Hoje, 21 de outubro de 1645 anos.

Nde rybyra, || Teu irmão[204] mais novo

nde raûsupara, || [e] teu amigo,

Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro Camarão. || Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro Camarão.


Carta 6 - De Diogo Pinheiro Camarão aos capitães Baltazar Araberana, Gaspar Cararu, Pedro Valadina e Jandaia, de 21 de outubro de 1645 (Figura 6)

TRADUÇÃO

Que o Senhor Deus esteja com vocês, dando-lhes saúde, ó senhores capitães.

[ 44 ]Eu estou muito feliz, perguntando se vocês estão bem. Eu, na verdade, também não estou mal.

Enviei estas minhas palavras a vocês quatro, ó capitães Baltazar Araberana, Gaspar Cararu, Pedro Valadina e Jandaia, para que vocês façam as coisas necessárias. Deste modo, envio-lhes estas minhas palavras.

O Capitão-Mor Dom Antônio Felipe Camarão fez-me vir de novo aqui à Paraíba por causa de vocês. Ele me disse, quando me fez vir, que eu escrevesse uma carta para lhes enviar. Ele me disse que, ao mandar a carta, eu lhes perguntasse se vocês querem sair para junto de nós e que nós viríamos para isso.

Assim, eu envio a vocês esta carta. Eu não faço isto por maldade.

Por que vocês fogem de nós? Acaso vocês não são nossos parentes?

Respondam a esta minha carta. Por que será que nos afastaremos tanto, sendo parentes uns dos outros? Acaso, com este nosso modo de agir, não estaremos pecando?

Respondam a esta minha carta. Se vocês não se importarem comigo, dizendo “não”, então eu vou levar em conta o que vocês fazem. Se vocês disserem “não”, eu não vou me interessar mais por vocês, não vou me preocupar mais com vocês, ó senhores capitães.

Vocês, como cristãos, estão doentes. Agora, para sua desgraça, estão muito vulneráveis. Antigamente vocês eram cristãos, mas deixaram, infelizmente, de amar ao Senhor Deus.

Vão somente estas notícias.

O Senhor Deus esteja com vocês.

Hoje, 21 de outubro de 1645.

Do seu amigo e parente legítimo,

Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro Camarão.


TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA

Pa’i Tupã || O Senhor Deus

t’oîkó pe irũnamo, || esteja com vocês,

pe momarane’yma, || a vocês fazendo saudáveis,

Snor capitão-etá[205] gûé. || ó senhores capitães.

Xe rorykatu ã || Eis que eu estou muito feliz,

pe marane’yma resé || acerca da saúde de vocês

gûiporandupa, || perguntando,

xe abé ã || eu também

na xe marani nhẽ gûitekóbo. || não estando mal, na verdade.

Peẽme ma’e || A vocês as coisas,

pe rekotebẽsaba || objeto da necessidade de vocês,

monhangagûama resé, || para a realização futura,

aîmondó ã || eis que envio

xe nhe’enga || minhas palavras

peẽme 4, || a vocês quatro,

[ 45 ]capitão-etá gûé, || ó capitães,

Capitão Barthezar Araberana, || Capitão Barthezar Araberana,

Capitão Gaspar Cararu[206], || Capitão Gaspar Cararu,

Capitão Pedro Valadina, || Capitão Pedro Valadina,

Capitão Îendaîa. || Capitão Jandaia.

Nã ã xe nhe’enga || Deste modo, estas minhas palavras

aîmondó peẽme, || envio a vocês,

xe moú rá || fazendo-me vir de novo

Capitão-Mor Dom Anto Fhelippe[207] Camarão, || o Capitão-Mor Dom Antônio Felipe Camarão,

pe resé, || por causa de vocês,

ké Paraípe. || aqui à Paraíba.

“-Eîkûatiar papera, || “– Escreve uma carta,

i mondóbo || enviando-a

ãgûa supé. || a eles.

‘-Pesemõtápe || ‘– (Vocês) querem sair

orébe? || para junto de nós?

Oroîur ã || Eis que viemos

pe renosema’, || para fazê-los sair conosco’

eré ãgûa supé, || dize a eles,

papera mondóbo”, || a carta enviando”,

e’i ã ahẽ || disse isso ele,

xe moú. || fazendo-me vir.

A’e rupi, || De acordo com isso,

ã ikó papera || eis que esta carta

aîmondó peẽme. || envio a vocês.

Xe ã naîkóî || Eis que não procedo

tekoaíba resé. || por maldade.

Marãnamope || Por que

peîegûasem || (vocês) fogem

oré suí? || de nós?

Na oré anama ruãtepiã peẽ? || Mas não [são] nossos parentes, porventura, vocês?

Peîmour || Façam vir

ikó xe papera || desta minha carta

poepykaba. || a resposta.

Marã || Por que

îaîope’aetekatupîãne, || havemos de nos afastar tanto, porventura,

[ 46 ]oîoanamamo? || sendo parentes uns dos outros?

Îandé rekó pupé piã || Com nosso procedimento, acaso

îaîkó tekoaíba rine? || estaremos no pecado?

Peîmour || Façam vir

ikó xe papera poepykaba. || desta minha carta a resposta.

“Aani” pe ‘e || “Não” (se for) o dizer de vocês,

xe ri || por mim

pe nhemomotare’yme[208] || no caso do não se interessar de vocês,

a’ereme || então

t’aîkuáne pe rekó. || hei de reconhecer seus atos.

“Aani” || “Não”

pe ‘ereme, || se for o dizer de vocês,

t’aîkó ymẽne || não hei de me interessar

pe resé, || por vocês,

na xe putupabi ã[209] || não me preocuparei

pe resé, || com vocês,

Sñor Capitão-etá gûé. || ó senhores capitães.

Peẽ cristão-ramo || Vocês, como cristãos,

pe rekoruînhẽ[210]. || estão doentes.

Ko’y peẽ, || Agora, vocês,

pe kanhema resé, || para sua perdição,

naeté[211] katupe. || estão grandemente a descoberto.

Erima’e || Antigamente

cristão rekóû, || (vocês) eram cristãos,

Pa’i Tupã || do Senhor Deus

raûsuba || o amor

pe’abo ra’u<ref>A partícula ra’u expressa desgosto: Xe angaîpabeté‘i ra’u mã! – ‘Ah, eu fui muito pecador!’ (Anchieta, 1993, p. 195).<ref>. || deixando, infelizmente.

Aîpó nhõ moranduba || Essas notícias, somente,

sóû. || vão.

Pa’i Tupã || O Senhor Deus

t’oîkó pe irũnamo. || esteja com vocês.

Oye, 21 de outubro 1645 Annos. || Hoje, 21 de outubro de 1645.

Pe raûsupara, || De vocês o amigo

pe anametekatu, || [e] de vocês o parente legítimo,

Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro Camarão || Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro Camarão.

[ img ]
 

Figura 6. Carta 6, de Diogo Pinheiro Camarão aos capitães Baltazar Araberana, Gaspar Cararu, Pedro Valadina e Jandaia, de 21 de outubro de 1645.

[ 48 ]CONCLUSÃO

Estas seis cartas, aqui transcritas e traduzidas linha a linha, constituem um corpus ideal para se analisar o tupi antigo no século XVII. Elas desmentem afirmações equivocadas de Câmara Jr. (1965), que acreditava na existência de um ‘tupi jesuítico’. Nelas, vemos, na pena dos próprios índios, a língua que Anchieta e Figueira gramaticalizaram em 1595 e 1621, respectivamente, embora com algumas transformações trazidas pelo contato com a língua portuguesa.

O que os índios escreveram revela, pela primeira vez, aspectos do tupi antigo tal como ele era falado mais de cem anos após o início da colonização do Brasil. A alfabetização nos aldeamentos católicos ou calvinistas foi um fator de grande importância para isso.

As cartas evidenciam, por outro lado, as tensões produzidas no seio de comunidades indígenas da América pela cisão da cristandade na Europa. Com efeito, as guerras de religião e as rivalidades entre católicos e protestantes transferiram-se, com a colonização, para as terras de ultramar, envolvendo seus povos nos conflitos vividos no velho continente, separando comunidades e famílias para as quais os laços de sangue tinham uma importância vital. Vemos, nos manuscritos, índios a matar a outros índios, seus parentes próximos ou distantes, em nome da religião ou de interesses de Estado.

A desestruturação do mundo tradicional indígena é claramente perceptível em tais cartas. Com efeito, o próprio Felipe Camarão admitiu-o, ao prometer a Pedro Poti, em sua carta de 19 de agosto, que novamente faria os potiguaras viverem “de acordo com seu modo de vida de antigamente”. A mesma insatisfação ele manifestou na carta que escreveu a Antônio Paraupaba, em 4 de outubro: “Eu vou para Paraguaçu, buscando aquela nossa futura morada. Eu não posso deixar desaparecer de nós mesmos as tradições do meu finado pai”.

Estas cartas são, assim, no âmbito da linguística indígena brasileira, os documentos mais valiosos que foram salvos da voragem do tempo.

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[ 49 ]Hulsman, L. (2006). Índios do Brasil na República dos Países Baixos: as representações de Antônio Paraupaba para os Estados Gerais em

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  1. ... The degree of toleration accorded to this group by the late 1640s was, from any historical perspective, something wholly unprecedented in the Christian world since ancient times".
  2. Ver as referências bibliográficas ao final do artigo.
  3. O uso de opamenhẽ em vez de opabenhẽ, ‘todos’, explica-se pelo fato de haver o b fricativo, /β/, em tupi antigo, cujo ponto de articulação é próximo ao do m.
  4. Etá (r, s), ‘muitos(as)’, passou a ser usado como marca de pluralidade no tupi colonial.
  5. O verbo aûsub (s) significa ‘amar’, ‘gostar de’, com um sentido espiritual, como em ‘amar a Deus, aos amigos, aos filhos’ etc.
  6. Pe recomonhagaua, no original. O fonema fricativo /β/ confundia-se, muitas vezes, com /w/. Nestas cartas, ocorrem alguns casos de emprego de u para grafar o /β/ fricativo. Trata-se de neutralização parcial de uma oposição linguística. Importa salientar, por outro lado, a ausência de uma distinção categórica entre <u> e <v> na escrita portuguesa seiscentista, que pode ser provavelmente a causa para o uso variável das duas letras, cujos valores em português não correspondiam exatamente à fonética dos segmentos tupis. Por outro lado, o pronome pe tem, aí, sentido passivo, como ocorre em português na expressão ‘amor de Deus’, em que ‘Deus’ é o paciente, o objeto de ‘amor’. Assim, pe rekomonhangaba significa ‘recomendações a (de) vocês’ (isto é, as que vocês devem seguir e não aquelas que vocês dão).
  7. Uenhe, no original (ver a nota 6).
  8. Substantivo uba (t, t), ‘pai’, ‘irmão do pai’, ‘primo do pai’. É comum entre índios, até o presente, tratarem-se eles todos como parentes. Veremos isso acontecer também nestas cartas, o que pode confundir o real vínculo de parentesco existente entre seus autores.
  9. Gûitekóbo – Em tupi antigo, há o gerúndio ‘causal’. Esta forma de gerúndio do verbo ikó / ekó (t-) expressa a causa daquilo que foi perguntado na frase anterior.
  10. Literalmente, ‘para a não perda da salvação de vocês’. O verbo kanhem, ‘perder-se’, ‘sumir’ etc., é intransitivo e tem como sujeito a coisa ou pessoa que se perde, que some. Assim: Okanhem xe rekokatu. – ‘Perdeu-se minha salvação’ (não se diria: Akanhem xe rekokatu – ‘Perdi minha salvação’).
  11. O mesmo que îandé. Em tupi antigo, [ñ] é alofone de /j/, semivogal, e é representado na nossa transcrição por nh.
  12. O verbo kanhem compõe-se aqui com o advérbio etekatu e, assim, passa a receber como sufixo de gerúndio a forma -abo, própria dos verbos terminados em u.
  13. O conceito de ‘pecado’ não existia entre os tupis da costa. A palavra tekoaíba significa, literalmente, ‘modo de ser ruim’, ‘cultura ruim’.
  14. Aqui temos o verbo pysyrõ + sufixo circunstancial ab + ûam (alomorfe de ram) + sufixo nominalizador -a.
  15. Verbo kuab, ‘conhecer’, ‘reconhecer’, ‘saber’, ‘agradecer’, em seu alomorfe kuûab ou kugûab. Podia haver epêntese de [w] entre vogais, mesmo de sílabas diferentes: [ua > uûa; o u > oû u], o que era representado por gu ou g nos textos coloniais: oerur > oerur – trouxe; o uba > og uba – seu próprio pai.
  16. Verbo mondó, com o afixo -emi-. No original faltou uma sílaba e lemos xe remidó.
  17. O autor da carta escreveu . Como vemos, representou o til sobre o a com um traço em forma de interrogação, o mesmo que utilizou sobre a sílaba final da palavra ‘capitão’:
  18. Ixeue, no original. Ver a nota 6.
  19. Aqui, Felipe Camarão parece referir-se ao massacre de Cunhaú, ocorrido em 16 de julho daquele ano de 1645, ao qual já nos referimos anteriormente.
  20. A colocação do clítico ype aí marca a interrogação. No original borrado parece estar escrito ape.
  21. Usou-se o ‘nós’ exclusivo, oré, pois Pedro Poti, o destinatário da carta, não poderia ser um gûasembaba, um ‘chegado’ de si mesmo.
  22. A posposição ri parece estar escrita sobre gûasembaba no original.
  23. Na s-aûsubar-ypyr-amo ruã sekóû? Literalmente, “Não como os ‘compadecidos’ (isto é, como objetos de compaixão) estão eles?’. O verbo aûsubar (s), ‘compadecer-se’, é transitivo direto em tupi.
  24. Estas duas palavras foram escritas em cima de outra, provavelmente como correção de erro do missivista.
  25. Pitikoara, ‘potiguara’, ‘petiguara’, nome do grupo indígena da costa nordestina ao qual pertenciam Felipe Camarão e Pedro Poti.
  26. O -i do modo indicativo circunstancial foi sufixado à composição do verbo com um morfema não verbal, o que era comum em tupi antigo.
  27. No original, serinhaime. Serinha’ẽ, de seri + nha’ẽ, ‘bacia de siris’, isto é, buraco no chão ou no leito de um rio, onde os siris ficavam.
  28. Esta carta confirma as informações dadas por Frei Calado do Salvador sobre o massacre de Serinhaém, ocorrido nos dois dias anteriores ao da sua redação: “Vendo o comendador e os mais que com ele estavam a fortaleza cercada por todas as partes dos moradores da terra, . . . . logo sem mais dilatar se entregaram. . . . . Os flamengos rendidos foram sessenta e dous; também com eles estavam na fortaleza cinquenta e seis índios brasilianos, aos quais, por quanto sendo vassalos de El Rey e nascidos na terra de Parnambuco . . . ., o povo todo clamou que se lhes não desse quartel e, assim, o Doutor Francisco Brabo da Silveira, que vinha por auditor general, os condenou à morte e foram enforcados ao redor da fortaleza, e as mulheres e meninos dos índios foram dados e repartidos por os moradores. . .” (Calado, 1668, pp. 70-71).
  29. Akỹ (ou aky) é uma interjeição que expressa dó, dor ou lamento (Valle, 1952, p. 53).
  30. Isto é, ‘pereceram por nossas mãos’, porque nós os matamos.
  31. A voz passiva passou a ser formada no Tupi colonial com o reflexivo -îe- ou [-nhe-].
  32. ‘Dar quartel’ é termo usado na guerra com o sentido de ‘poupar a vida’, ‘não matar o vencido’, ‘tratá-lo com humanidade’ (Silva, 1891, p. 633)
  33. Ver a nota 15.
  34. O termo karaíba designava o pajé maior dos tupis da costa, que era itinerante e ia a diversas aldeias. Falava da ‘Terra sem Mal’ e de como encontrá-la. Muitos caraíbas estimularam guerras contra os colonos europeus e os missionários. Com o tempo, o termo passou a significar também ‘cristão’, ‘homem branco’, ‘português’ etc.
  35. No original, opauenhe (ver a nota 6).
  36. Opaue, no original.
  37. Certas palavras da língua portuguesa não foram traduzidas para o tupi antigo por não terem correspondentes precisos nesta língua. Isso aconteceu principalmente com palavras do campo semântico religioso: ‘pecado’, ‘reino’, ‘tentação’, ‘Espírito Santo’ etc. Além disso, havia a ideia de que a tradução de tais palavras para uma língua indígena fosse um desrespeito ao texto sagrado
  38. Verbo ityk / eîtyk(a) (t) no modo indicativo circunstancial.
  39. No original, pepigroaguama. Temos aqui o verbo pysyrõ + sufixo circunstancial -ab + ûam (alomorfe de ram) + sufixo nominal -a.
  40. Pe rerekó-aib-eme > Pe rerekó-aí-me (literalmente, ‘no caso de vos tratarem mal’)
  41. Isto é, a saída de territórios ocupados pelos holandeses com o apoio de Pedro Poti e de outros potiguaras.
  42. A posposição suí também pode significar ‘mais de’, ‘mais que’: Aîkuab-eté nde suí. – Sei mais que tu. (Anchieta, 1595, p. 43).
  43. Felipe Camarão alude aqui ao medo que os potiguaras aliados dos holandeses poderiam ter de represálias destes se os abandonassem.
  44. Okanhem-etá ‘ybama. – Observe-se que etá pode ser usado imediatamente após o verbo, em função adverbial: ‘em grande número’.
  45. Iguama, no original (‘yba + ram-a > ‘ybama). Trata-se de acontecimento futuro e hipotético. Talvez essa forma de futuro nominal explique a ausência do clítico -ne, no final do período, como era regra em tupi antigo para expressar o tempo futuro.
  46. Ver a nota 30.
  47. Verbo îar / ‘ar(a) (t, t).
  48. I nhanama: no encontro das vogais i e a havia, às vezes, epêntese de iode, /j/, ou de seu alofone [ñ].
  49. Îerobîasaba < i îerobîá-sab-a. Literalmente, ‘causa do confiar deles’, ‘objeto do confiar deles’, ‘de sua confiança’.
  50. Em tupi antigo, havia somente termos correspondentes para os números 1, 2, 3 e 4. Acima disso, passou-se a usar circunlóquios ou se tomaram numerais do português por empréstimo, conforme vemos aqui.
  51. Essa informação é confirmada historicamente: “Deixaram os nossos Mestres de Campo em Sirinhaém por Capitão dos moradores e da fortaleza a Álvaro Fragoso de Albuquerque e logo marcharam adiante. Martim Soares Moreno veio mais devagar com o seu terço, caminhando em direitura para o pontal de Nazareth e cabo de Santo Agostinho e André Vidal de Negreiros partiu diante e com mais pressa em busca de João Fernandes Vieira, ao qual encontrou na vila de Santo Antônio do Cabo, como temos dito, e veio em seguimento seu até a casa forte de Dona Anna Paes, aonde João Fernandes Vieira alcançou a segunda vitória e prendeu ao Governador das Armas Holandesas, Henrique Hus, e os três cabeças de seu exército, com mais duzentos e treze soldados e lhe matou todo o mais restante do seu exército” (Calado, 1668, p. 236). Como vemos, Felipe Camarão confirma em sua carta a prisão de quatro chefes holandeses. Calado (1668, p. 89) menciona os nomes de três deles: Henrique Hus (governador das armas), João Blar (mestre de campo) e João Bilth (governador dos índios). Afirma que, dos quatrocentos subordinados, a metade foi morta. Isso sugere que foram somente os soldados potiguaras os que foram sacrificados e que os soldados holandeses foram poupados. Com efeito, ele somente menciona a morte de capitães índios (André de Souza Bioby, Mathias Monteiro, Gaspar Ijibaquagiribá) e também de todos os seus subordinados, que não poderiam ser outros senão índios potiguaras.
  52. Nos arquivos holandeses, há um documento chamado “Notulen van Brazilië”, no qual ficamos sabendo de uma assembleia realizada pelos índios potiguaras na aldeia de nome Tapisserica, situada na capitania de Pernambuco, no dia 30 de março de 1645. Nessa assembleia, os índios deliberaram propor leis que deveriam ser apresentadas aos membros do Supremo Conselho holandês no Recife. Tal assembleia realizou-se em 11 de abril de 1645 e a ela compareceram muitos índios, de todas as aldeias das conquistas holandesas. A ata dessa assembleia arrola o nome do capitão André de Sousa, mencionado nesta carta, acrescentando a informação de que ele era capitão na aldeia Caracé (Maior, 1913, p. 161).
  53. Aqui foi usada uma abreviatura: Montr.
  54. O nome de Mateus Monteiro também aparece na ata da assembleia dos índios, que nos informa que ele era capitão na aldeia Tapisserica, a mesma em que se realizara a referida assembleia.
  55. O nome do capitão Gaspar não aparece na ata da assembleia dos potiguaras.
  56. O tema nominal ubixaba (t) sofreu, aqui, síncope (> uîxaba) e, depois, apócope da sílaba final na composição com monhang.
  57. O próprio Pedro Poti tinha sido nomeado capitão e governador dos índios da Paraíba pelos holandeses. Daí, o uso do exclusivo aqui (ver a nota 21).
  58. Os holandeses tiveram no Brasil a política de fazer alianças com os índios por meio da concessão de liberdade a eles e da colação de cargos e títulos a seus chefes. Tais títulos (o de ‘capitão’, por exemplo), contudo, não eram reconhecidos pelos portugueses nem conferiam garantia de que suas vidas seriam poupadas no caso de um apresamento, como se fazia com os oficiais holandeses. Era conhecido o apreço que os índios tinham por tais títulos, honrarias e demonstrações de poder. É sabido, com efeito, que Pedro Poti “escreveu uma missiva ao Alto Conselho no dia 13 de dezembro de 1647, . . . . e pediu faixas, chapéus com plumagens para seus oficiais, e presentes para suas esposas” (Meuwese citado em Hulsman, 2006, p. 58).
  59. Havia frequentemente ditongação do possessivo reflexivo o (ow) antes de vogal: o ekó > ow ekó. A semivogal /w/ era representada nos textos antigos por g ou gu.
  60. Aqui, houve dupla marcação da forma negativa com o sufixo -i: ...angáî benhẽî.
  61. Verbo iké, eîké (t), ‘entrar’.
  62. No original, opauenhẽ (ver a nota 6).
  63. A regência do verbo îyrõ (ou nhyrõ) não é a mesma do verbo ‘perdoar’ do português. Nhyrõ, ‘perdoar’ > a alguém: com supé; algo: com esé (r, s).
  64. Forma variante de pu’am.
  65. Opomoingó: pronome pessoal objetivo opo- + verbo moingó. Literalmente, ‘fazer-vos estar’. No original, opomoigó iebir katupe. A ortografia das cartas apresentava, com efeito, muitas incoerências e imprecisões. O pe final é um clítico que expressa deliberação, para homens e mulheres. Não está acompanhado por , como era comum nos textos do século XVI.
  66. Verbo ‘i / ‘e, com o sentido de ‘mostrar-se’, ‘estar’, ‘apresentar-se’; ‘achar-se’, ‘encontrar-se’.
  67. Forma variante de a’epe.
  68. Aqui, temos o verbo ikó / ekó (t) usado no modo indicativo circunstancial. A oração passiva em tupi antigo colonial era feita com o deverbal em -pyr(a) + posposição -ramo + verbo ikó. Literalmente, ‘como os que serão completamente arruinados, com efeito, eles estarão’.
  69. Mamõ monẽ i xóû xe suí oîegûasema. – Nesta frase, i xóû é o verbo , ‘ir’, no modo indicativo circunstancial. Há notícias de potiguaras que se exilaram na Chapada de Ibiapaba, entre o Ceará e o Maranhão, lá criando um refúgio contra os europeus. Segundo Hulsman (2006, p. 52), “o jesuíta Antônio Vieira registrou em 1660 o choque dos jesuítas ao acharem uma comunidade ameríndia . . . . que possuía bíblias protestantes. Vieira culpou os brasilianos [i.e., os índios de língua tupi] de Pernambuco por transformarem Ibiapaba na ‘Genebra’ do Brasil, em outra alusão a Calvino”.
  70. Ver a nota 29.
  71. Felipe Camarão refere-se à armada luso-brasileira, que fora atacada traiçoeiramente pelos holandeses na Enseada de Tamandaré. Ele parece querer dizer que, apesar de mais poderosas, as forças brasileiras são prejudicadas pelas ações traiçoeiras dos holandeses.
  72. Ocorreu aqui a apócope do b do verbo kugûab, ‘conhecer’, ‘reconhecer’.
  73. Peteymẽ é alomorfe de peteumẽ: ‘guardem-se de’, ‘deixem de’, ‘parem de’.
  74. Peîeagûabo – gerúndio de îea’o – ‘desonrar-se’, com o morfema número-pessoal de 2ª pessoa do plural pe-.
  75. No original, pegoaemo, gerúndio de kûaẽ, alomorfe de kûabẽ, ‘escapar’, ‘livrar-se’, com o morfema número-pessoal de 2ª pessoa do plural pe-.
  76. Ver a nota 37.
  77. Verbo îur/ur(a) (t) + sufixo -sab + adjetivo ram + sufixo -a: pe r-ur-ab-ûam-a > pe ruragûama – literalmente, ‘vossa futura vinda’, ‘o futuro vir de vós’.
  78. O verbo me’eng sofreu, aqui, apócope do fonema /ŋ/
  79. No original, peemen.
  80. Ver a nota 59.
  81. Ver a nota 59.
  82. A semelhança sonora entre oîeí e ‘hoje’, com o mesmo significado, deve ter levado ao emprego da forma apocopada oîe.
  83. No original, igaparipigramo peico.
  84. Aîuruîuba, literalmente, ‘ajuru (variedade de papagaio) amarelo’, nome que os índios usavam para designar os europeus loiros, como era o caso dos holandeses.
  85. Verbo erosem, no gerúndio.
  86. O uso de aîpó, ‘esse (a, es, as)’, ‘aquele (a, es, as)’, aqui, indica que essas palavras foram ditadas. Ver a nota 155.
  87. O possessivo xe está escrito che, no original, como acontece no guarani.
  88. A letra desta carta não é igual à da primeira, embora ambas tenham a assinatura de Felipe Camarão no final.
  89. Esta carta foi escrita um dia após o massacre de Uruaçu, em 3 de outubro de 1645.
  90. O mesmo que tenhenhẽ, ‘ociosamente’, ‘sem um porquê’, ‘sem sentido’.
  91. So’o é, propriamente, o mamífero quadrúpede. Não há, em tupi, palavra correspondente a ‘animal em geral’.
  92. O verbo ikó / ekó (t) assume, por vezes, o sentido de ‘ser’.
  93. pode ser usado tanto como dêitico quanto como anafórico. Pode mostrar o que está perto (função dêitica) ou fazer referência a algo que já foi mencionado (função anafórica). Neste caso, é traduzido por ‘esse’, e não por ‘este’.
  94. N’a‘ekatuî nhẽ sepîaka... – A particula nhẽ expressa o aspecto lusivo, “indicando que alguma coisa é feita sem interesse, por fazer”: Asó nhẽ. – ‘Vou por ir’ (sem algum fim) (Anchieta, 1595, p. 54).
  95. Nde raûsupa é – Houve outra vez, aqui, o emprego do gerúndio causal.
  96. Note-se que, em oromongakugûá, oro é morfema número-pessoal objetivo. Não deve ser confundido com oro da 1ª pessoa do singular exclusivo.
  97. Verbo ‘ikatu / ‘ekatu, ‘poder’.
  98. Temos aqui o gerúndio que o verbo (a’ekatu) exige.
  99. Ver a nota 59.
  100. Ver a nota 59.
  101. Aqui, houve nominalização, ao incorporar o verbo um substantivo: emiaûsu-potar. Assim, formou-se o gerúndio com -ramo, como é próprio dos temas nominais.
  102. É comum, nestas cartas, usar-se a segunda pessoa do plural juntamente com a segunda do singular.
  103. Ver a nota 32.
  104. Aqui, Felipe Camarão refere-se a potiguaras que estavam do lado dos holandeses.
  105. Ver a nota 59.
  106. Isto é, o chefe dos índios, Felipe Camarão.
  107. Isto é, o capitão holandês.
  108. Veja-se, aqui, o uso de (p)ûer, expressando o tempo nominal passado: as esposas, os filhos e as filhas estão longe dos maridos e dos pais, que lutam na guerra. Atente-se também para a etimologia de temirekó: ‘a que se faz estar consigo’, ‘a esposa’. É forma causativo-comitativa do verbo ikó / ekó (t) – ‘estar’.
  109. Ver a nota 109.
  110. Ver a nota 109.
  111. Em tupi antigo, não existe o discurso indireto, como se pode ver aqui.
  112. Felipe Camarão referiu-se algumas linhas antes ao fato de os holandeses inventarem palavras que ele não havia dito para confundir os índios e fazê-los voltar-se contra ele.
  113. O mesmo que eteumẽ.
  114. A posposição suí pode expressar também uma causa: Eresabeyporype kaûĩ suí, ‘ara mokanhema? – ‘Ficaste bêbado por causa de cauim, perdendo o juízo?’ (Araújo, 1952 [1618], 111v).
  115. Variante de nhyrõ, ‘perdoar’.
  116. Quando o foco do discurso é o objeto e não o sujeito, usa-se o morfema número-pessoal îa- para a 3ª pessoa, em vez de o- (Anchieta, 1595, 36v). Foi o que aconteceu aqui. Isto é o que se chama tópico, em Linguística, a saber, uma parte do enunciado acerca do qual o enunciado restante faz um comentário: “Nossos regimentos teus avós não podem anular” (Rodrigues, 2011). Por outro lado, o verbo ‘ikatu / ‘ekatu, ‘poder’, leva o verbo principal para o gerúndio.
  117. Felipe Camarão mostra aqui que não mais existe a antiga organização tribal, em que os chefes mais velhos podiam modificar regras que interessavam a toda a comunidade indígena. Ele está reconhecendo que os índios vivem, então, sob o ordenamento legal estabelecido pelos europeus e lamenta que isso tenha acontecido. Reconhece, contudo, nada poder fazer para mudar isso.
  118. Isto é, o regimento que determinava que não se pouparia a vida dos índios que lutassem ao lado dos holandeses, no caso de derrota destes. Os holandeses, contudo, se derrotados, teriam sua vida poupada, isso para que pudessem servir como moeda nas negociações que se fariam com os chefes holandeses.
  119. Variante de erima’e, erimba’e, ‘outrora’, ‘antigamente’.
  120. O próprio Felipe Camarão parece estar, aqui, lamentando a determinação de não se poupar a vida dos índios aprisionados que tivessem lutado ao lado dos holandeses.
  121. Verbo ekar (s) + sufixo circunstancial sab.
  122. Ver a nota 93.
  123. Há aqui uma construção com o verbo ‘i/’e como auxiliar. É um uso enfático de tal verbo, que leva o verbo principal pe’a (repudiar, afastar) para o gerúndio.
  124. Tekokatumonhangaba é palavra que não se encontra em outros textos tupis. Parece significar ‘tradição’, ‘bom modo de vida’ (como foi ensinado pelos antepassados).
  125. Felipe Camarão demonstra, aqui, insatisfação com a condição de vida dos índios após o contato com os europeus.
  126. Há, aqui, a epêntese da semivogal /j/, representada no texto por î, fenômeno fonético do tupi antigo que ocorria, às vezes, no encontro de vogais i + a e, obrigatoriamente, no encontro i + i.
  127. Em tupi antigo, uba (t, t) designa tanto o pai, como o irmão do pai, como o primo do pai.
  128. Ver a nota 83.
  129. Papera, do português ‘papel’, assume o sentido de ‘carta’, ‘escrito’, em tupi antigo.
  130. T’ogûerosyk, ao se compor com o modificador circunstancial katu, sofre apócope do k.
  131. A posposição supé está sendo usada aqui com o sentido de finalidade, o que não ocorria no tupi quinhentista, denotando a transformação da língua.
  132. Ao encontrar a sílaba ba em xe rekoaba, a posposição -pe provoca sua apócope: xe rekoá-pe.
  133. O uso dessa partícula ygûá (variante de ybŷá) explica-se pela indefinição do objeto do verbo îuká (matar).
  134. Forma nominal do verbo ikobé: ekobé (t), ‘estar bem’, ‘estar são’; ‘viver’ etc.
  135. Veja-se que, em omour, o pronome i incorporado não é usado (oîmour), como acontece com outros verbos transitivos (oîkutuk, oîmonhang etc.). Isso ocorria com temas verbais com o prefixo causativo mo- no tupi de São Vicente, segundo nos relata Anchieta (1595, fol. 1). Embora o autor da carta fosse falante do tupi do nordeste do Brasil, o mesmo fenômeno verifica-se aqui.
  136. O tupi antigo tinha termos diferentes para ‘irmão mais velho’ e para ‘irmão mais novo’ de um homem. Yke’yra (t) é um irmão mais velho de um homem, ou um primo seu mais velho (filho de um irmão do pai) ou um sobrinho seu mais velho (filho de um irmão). Conforme veremos na Carta 4, Diogo da Costa era, de fato, irmão legítimo, consanguíneo de Pedro Poti.
  137. ra’e – partícula que significa ‘dizem’, ‘conforme dizem’, ‘dizem que’: Osó ra’e. - Dizem que foi (Valle, 1952, Vol. 1, p. 104).
  138. Esta partícula ã assinala o presente ou o futuro, com a 1ª e a 2ª pessoas, excluindo a possibilidade de passado, sendo reforçada pelo uso de ko’yr, ‘agora’.
  139. Ybyra (t) designava o irmão mais novo de um homem. Não parece que, de fato, Diogo Pinheiro fosse verdadeiro irmão de Pedro Poti. Como já foi dito antes, era comum entre os índios essa forma de tratamento.
  140. Nhandé rupagûera - O substantivo upaba (t-) deriva do verbo îub / uba (t-, t-), ‘estar deitado’, ‘jazer’, ‘estender-se’. Com efeito, os tupis da costa eram nômades, migrando constantemente. Talvez, por isso, o autor da carta tenha preferido tal termo a ekoaba (t), morada. Upaba (t-) pode também ser um velho jazigo, uma antiga sepultura (no caso, talvez, a sepultura dos antepassados, que estariam, então, em terras sob o domínio dos holandeses).
  141. Kupagûaoygûara – topônimo Kupagûaó + sufixo -yguar, que expressa procedência, naturalidade, estância: ‘o que é de’, ‘o que está em’; ‘o habitante de’, ‘o natural ou o morador de’ + sufixo nominalizador -a: ‘os moradores de Cupaguaó’. “Cupaguaó era nome de uma região no sertão de Pernambuco para onde Feliciano Coelho de Carvalho, capitão-mor e governador (1592/1595-1599/1600) da Paraíba, . . . . planejou guerra contra os nativos inimigos” (Jaboatão, 1858, Vol. 2, p. 77). Não parece ser nome tupi.
  142. Composição de urubu + rem (‘urubus fedorentos’) + sufixo -ygûar-a.
  143. Composição de y(g)ar – ‘canoa’ + verbo eroîyb – ‘fazer descer consigo’, ‘descer com’, ‘descarregar’: ‘descarregamento de canoas’ + sufixo -yguar + sufixo nominalizador -a: ‘os moradores do (lugar de) descarregamento de canoas’.
  144. Composição de gûyrating + ‘amĩ (‘garças que ficam em pé sem se mexer’) + sufixos -ygûar-a: ‘moradores (do lugar) das garças imóveis’.
  145. Filhos da caatinga – designa os índios de língua tupi que viviam no sertão nordestino e também os índios tapuias, isto é, os de outras línguas indígenas.
  146. Forma nasalizada de îá (advérbio) – ‘de costume’, ‘habitualmente’, ‘amiúde’: Xe poronupã îá. – ‘Eu açouto gente, de costume’ (Anchieta, 1595, 51v).
  147. A partícula etenheumẽ leva o verbo para o gerúndio.
  148. Variante de ebokûeî, encontrada somente nestas cartas.
  149. Sem + -(r)(e)me: ‘no caso da saída’.
  150. Variante de îanondé, ‘antes’. A nasalização aí é causada pelo tema verbal sẽ(m).
  151. Isto é, que não faças a teu irmão o que fizeste ao outro portador das cartas, que foi assassinado.
  152. Os verbos erur e enosem são formas da voz causativo-comitativa dos verbos îur / ur e sem, respectivamente. Tal voz expressa uma causação em que o agente participa da ação causada.
  153. Isto é, para ajudar-te e proteger-te no caso de uma reação violenta dos holandeses.
  154. O verbo erobîar, ‘crer’, é transitivo direto em tupi antigo.
  155. O uso de aîpó, ‘esse (a, es, as)’, ‘aquele (a, es, as)’, aqui, sugere que a carta está sendo ditada por Felipe Camarão. Com efeito, aîpó... xe nhe’enga não pode significar ‘estas minhas palavras’, mas ‘essas minhas palavras’, isto é, que outrem está a escrever. Ademais, como já foi dito anteriormente, a letra do redator desta carta que Felipe Camarão dirigiu a Pedro Poti em 4 de outubro de 1645 não é a mesma do redator da carta de 19 de agosto daquele ano.
  156. A esta carta de Felipe Camarão, Pedro Poti respondeu em missiva datada de 31 de outubro de 1645, da qual não se conhece o original em tupi. Lá, ele escreveu: “Não, Felipe, vós vos deixais iludir; é evidente que o plano dos celerados portugueses não é outro senão o de se apossarem deste país e, então, assassinarem ou escravizarem tanto a vós como a nós todos” (Hulsman, 2006, p. 41).
  157. Aqui, temos o diminutivo de papera, ‘carta’, palavra que aparece muitas vezes no conjunto das missivas dos Camarões aqui traduzidas. Esta é, de fato, uma pequena carta, a menor das que se encontram na Holanda. O sufixo de diminutivo em tupi antigo é -‘ĩ ou -‘i. A oclusiva glotal desaparece quando o sufixo se pospõe a um tema terminado em consoante: paper‘i > paperi.
  158. Ver-se-á adiante que Diogo da Costa era irmão legítimo de Pedro Poti. Ver a nota 178.
  159. No texto em tupi, a interjeição gûy, ‘ó’, está repetida. Isso porque não era da índole do tupi antigo usar um nome próprio junto com um designativo de parentesco no vocativo.
  160. Îamondó endébe. – ‘Enviamos a ti.’ – Usou-se aqui o morfema inclusivo îa-. Ora, Pedro Poti não estava, logicamente, incluído entre os que haviam enviado tal carta. Vê-se, assim, o enfraquecimento da diferença entre o ‘nós’ inclusivo e o exclusivo no tupi de meados do século XVII.
  161. Pytera – ‘meio’, ‘metade’, ‘centro’.
  162. Temos aqui um uso anômalo daquilo que corresponde à perífrase ‘estar’ + ‘gerúndio’ em português: ‘estou-me cansando’. Em tupi quinhentista, não se constata o uso de construções semelhantes. O que ficava em gerúndio, em tal perífrase, era o verbo ‘estar’. Dir-se-ia, neste caso, então: Xe kane’õ gûitekóbo... – literalmente, ‘eu me canso, estando...’.
  163. Ver a nota 136.
  164. Ou seja, Felipe Camarão, chefe dos índios aliados aos portugueses naquela guerra.
  165. Saligento – Encontros consonantais não eram da índole do tupi antigo. Assim, formou-se uma sílaba com a vogal i.
  166. O sufixo -ĩ também expressa o aspecto lusivo em tupi antigo, quando se faz algo sem se pensar muito no assunto: ‘falei por falar’; ‘escrevi por escrever’ etc. É bem traduzido pela expressão castelhana ‘no más’.
  167. Novamente o uso de perífrase estar + gerúndio. Em tupi quinhentista, dir-se-ia eresaûsub apŷabaíba eîkóbo (literalmente, ‘amas os homens maus estando’), indo para o gerúndio o verbo ‘estar’, auxiliar, ikó, ekó (t).
  168. A partícula re’ĩ aqui expressa dor, lamento, desgosto: Akûere’õ xe rekóû rimba’e re’ĩ... – ‘Que mal eu agi outrora...’ (Araújo, 1952 [1618], 155v).
  169. Ganã, tomado por empréstimo do português ‘enganar’.
  170. ...Nde îoseî? – Uso predicativo de îoseîa – ‘desejo’. Îo- formava substantivos a partir de temas verbais. O verbo seî, ‘querer’, ‘desejar’, era usado só com temas verbais incorporados: I kamu-seî kunumĩ... – ‘Deseja o menino mamar. O menino é desejoso de mamar’ (Anchieta, 1954, p. 317).
  171. Outro fenômeno que expressa a transformação da língua: a ausência do pronome -î- incorporado. Em tupi quinhentista, dir-se-ia oîpotar.
  172. Isto é, João Fernandes Vieira.
  173. Ver a nota 34.
  174. A alegria dos portugueses da Paraíba seria a consequência de um fato que, então, seria anterior, passado. Daí o emprego de (p)ûer(a), que expressa o tempo nominal pretérito. Veja-se aí o uso do sufixo -(s)aba a expressar circunstância de companhia: îeme’engagûera < îe-me’eng-a(ba)-(p)ûera – ‘os companheiros passados de teu entregar-se’.
  175. Adjetivo abaíb + posposição átona -(r)eme.
  176. Há, no original, um g borrado depois de xe.
  177. Observe-se a ausência, aqui, do pronome objetivo -î-, como é regra entre os verbos transitivos conjugados.
  178. Tal partícula expressa o passado: ‘antigamente’, ‘há tempos’, ‘há algum tempo’.
  179. Aqui, fica demonstrado que Diogo da Costa era irmão consanguíneo de Pedro Poti.
  180. Muçuí, de musũ + ‘y – ‘rio dos muçuns’, peixes simbranquídeos. Trata-se da aldeia de São Miguel do Muçuí, que ficava a sete léguas ao norte de Olinda e onde tinha vivido Felipe Camarão.
  181. O texto inicia-se, como vemos, em português. Todos os autores destas cartas eram bilíngues.
  182. No original, está escrito Potig. No entanto, na décima segunda linha da carta, o mesmo nome está escrito poti.
  183. Em tupi antigo, pa’i era um pronome de tratamento para pessoas de respeito. Passou a significar ‘padre’, com a colonização. A expressão Pa’i Tupã Îandé Îara é de difícil tradução literal.
  184. T’ome’eng... – Observe-se, aqui, a ausência do pronome i incorporado, como é regra entre os verbos transitivos conjugados: aîme’eng – ‘dou’, ereîme’eng – ‘dás’, oîme’eng – ‘dá’ etc.
  185. Veja-se a mudança da terceira para a segunda pessoa, fato comum nestas cartas.
  186. Diogo Pinheiro estava, aqui, partindo da premissa de que Pedro Poti quisesse realmente render-se.
  187. Em tupi antigo, o verbo ‘dizer’, ‘i / ‘e, aparece sempre depois do enunciado em discurso direto. Como vimos, não existia o discurso indireto nessa língua (ver a nota 112).
  188. No original, está escrito peẏopicig. O morfema -îo- é usado com temas verbais monossilábicos (como aîosok), o que não é o caso de pysyk. O uso de îo em vez de î deve ser atribuído, neste caso, à ortografia precária usada pelos índios.
  189. Um fenômeno fonético descrito pelos gramáticos do tupi antigo e verificável nos textos era a substituição de /s/ por /x/ após o fonema /i/. O comum era, pois, dizer-se: i xupé.
  190. Isto é, para dar notícias a Pedro Poti e a seus subordinados índios.
  191. O verbo ‘i, ‘e, ‘dizer’ (aqui, no gerúndio gûi’îabo, ‘dizendo’), é, em tupi antigo, usado no final daquilo que se enuncia no discurso direto. Como já vimos, em tupi antigo não existe o discurso indireto.
  192. O Anhanga era uma entidade da floresta. Foi identificado ao diabo da Bíblia no catolicismo colonial, juntamente com Jurupari.
  193. Em tupi antigo, a perífrase ‘estar’ + ‘gerúndio’ faz-se de maneira inversa à do português. O verbo auxiliar ikó, ‘estar’, é que fica no gerúndio. Assim: ‘Estou falando’: Anhe’eng gûitekóbo (literalmente, ‘Falo, estando’).
  194. Variante de epîak (s), ‘ver’.
  195. Gerúndio de potar, ‘querer’, com o fonema /p/ inicial nasalisado.
  196. Isto é, João Fernandes Vieira.
  197. Novamente ocorreu aqui a exclusão do pronome -î-: n’oroîmonhangi.
  198. Nesta carta, o nome Antônio aparece de forma abreviada: An.to.
  199. Py’a, ‘fígado’, era para os tupis da costa o órgão das emoções. Com a colonização, tal termo mudou de sentido, passando a significar também ‘coração’.
  200. Aqui, ocorreu a síncope de -me (alomorfe de -reme). O autor da carta escreveu sememo logo adiante, como que para corrigir o erro.
  201. No modo condicional em tupi antigo, o sufixo -mo aparece tanto na prótase quanto na apódose.
  202. Ver a nota 200.
  203. Enviam-se mulheres com o objetivo, certamente, de evitar assassinato de portadores das cartas, como já havia acontecido antes.
  204. Ybyra (t, t) pode significar, além de ‘irmão mais novo’, ‘o primo mais novo’ ou ‘o sobrinho mais novo’.
  205. Aqui, o adjetivo etá (r, s) compôs-se com um substantivo da língua portuguesa (ver a nota 4).
  206. O nome de Gaspar Cararu está mencionado na ata da assembleia dos índios reunidos na aldeia de Tapisserica. O documento refere-se a ele como sendo da aldeia Miagiriba (citado em Maior, 1913, p. 163).
  207. Foi mantida aqui a grafia original.
  208. Nhemomotar – variante de îemomotar, ‘atrair-se’, ‘ter cobiça’, ‘ter interesse’.
  209. Esta partícula dá, aqui, a ideia de futuro.
  210. No original, pe rekoroioẽ.
  211. No original, naté.