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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

INTRODUÇÃO

No século XVII, expandia-se o império marítimo holandês, que passou a disputar com Portugal a posse de colônias ultramarinas na América, África e Ásia. País convertido ao Calvinismo havia várias décadas, os Estados Gerais das Províncias Unidas tornaram-se um ambiente propício para o florescimento do capitalismo mercantil. Com efeito, organizaram-se na Holanda, com a participação maciça de capitais privados, grandes companhias de comércio, verdadeiras multinacionais do século XVII, em que não era um Estado que assumia empreendimentos colonizatórios, mas a burguesia mercantil, com apoio estatal. Em 1602, surgiu a Vereenigde Oost-Indische Compagnie (VOC, em português Companhia Unida das Índias Orientais). Em 1621 surgiu a West Indische Compagnie (WIC, Companhia das Índias Ocidentais).

Tais companhias de comércio tomariam de Portugal grandes entrepostos comerciais e disputariam com os portugueses o controle do tráfico de escravos e de regiões produtoras de mercadorias de grande valor econômico. Territórios portugueses em Angola, no Brasil e no sudeste Asiático passaram para o domínio holandês. Alguns foram retomados depois por Portugal, mas outros se tornaram colônias batavas, como Malaca, rico entreposto situado no litoral da Malásia, defronte da ilha indonésia de Sumatra. Enquanto a economia portuguesa entrava-se em crise no século XVII, a Holanda conhecia um período de grande crescimento, favorecendo o desenvolvimento do mercantilismo (Grieco, 1998; Boxer, 1961).

Assim, em 1624, a Companhia das Índias Ocidentais promoveu um ataque ao rico nordeste brasileiro, produtor de cana-de-açúcar. Seus soldados tomaram a capital da colônia, Salvador. No entanto, não conseguiram estender suas conquistas para além daquela cidade, uma vez que foram cercados por forças luso-brasileiras, que impediram seu avanço. O ataque malogrou e os holandeses foram expulsos da Bahia em 1625.

Expulsos de Salvador em 1625, os holandeses tiveram contato com um grupo indígena da Paraíba, falante do tupi antigo, os potiguaras. Esses índios eram da mesma origem dos outros que habitaram a costa brasileira no século XVI, muitos dos quais já estavam, no início do século XVII, submetidos aos portugueses e convertidos ao catolicismo. Os potiguaras viviam no litoral que ia desde a Paraíba até o Ceará. Era um grupo aguerrido, mas não coeso. Alguns eram amigos dos inimigos de Portugal, os traficantes franceses de pau-brasil. Na Paraíba, tinham como seu centro principal as aldeias da Baía da Traição. Lá, os holandeses fizeram contato em 1625 com tais potiguaras, entre os quais o índio Pedro Poti. Este partiu, junto com Antônio Paraupaba, da Capitania do Rio Grande, e mais um grupo de indígenas, para a Holanda. Lá, eles viveram por alguns anos, aprenderam holandês e tornaram-se calvinistas. Cerca de vinte índios foram levados nessa ocasião pelos holandeses (Maior, 1913).

Cinco anos depois, a Companhia das Índias Ocidentais resolveu atacar novamente a costa do nordeste brasileiro. Tal ataque ocorreu em 1630 em Pernambuco e foi bem-sucedido. Após a conquista daquela capitania, os holandeses estenderam nos anos seguintes sua dominação pela costa de Alagoas, de Sergipe, da Paraíba, do Rio Grande, do Ceará e do Maranhão. Seriam 24 anos de ocupação dessa parte do nordeste brasileiro.

Entre 1637 e 1644, o Brasil Holandês foi administrado por um humanista teuto-holandês, o conde Maurício de Nassau-Siegen, sob cuja administração houve inusitada tolerância religiosa. Os católicos puderam praticar sua religião livremente e, pela primeira vez, uma sinagoga surgiu nas Américas, tendo podido os judeus praticar sua fé. Segundo Israel (2007, p. 28, tradução nossa), "... o grau de tolerância concedido a esse grupo por volta do final da década de 40 do século XVII foi, de qualquer perspectiva histórica, algo totalmente sem precedentes no mundo cristão desde os tempos antigos".[1]

2

  1. ... The degree of toleration accorded to this group by the late 1640s was, from any historical perspective, something wholly unprecedented in the Christian world since ancient times".