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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

com relativa fidelidade a fonética da oralidade setecentista, julgamos oportuno seguir uma ortografia do tupi antigo que, há décadas, vem sendo utilizada por tupinistas como Antônio Lemos Barbosa, Frederico Edelweiss e Eduardo Navarro;

f)Onde a letra <c> representa o fonema oclusivo velar surdo /k/, optamos por transcrevê-la por <k>. Onde <c> e <ç> representam o fonema /s/, substituímo-la por <s>;
g)As variantes alofônicas consonantais [mb] (alofone de /m/), [nd] (alofone de /n/), [ʃ] (alofone de /s/), [ɲ] (alofone de /j/) são, na nossa transcrição, representadas graficamente por mb, nd, x e nh, respectivamente. O b fricativo /β/ e o b oclusivo do seu alofone [mb] (nasal com distensão oral) são representados em nossas traduções pela mesma letra, b;
h)O fonema /ŋ/ é representado nas transcrições por ng;
i)As marcas de nasalidade muitas vezes não são utilizadas nos manuscritos. A nasalidade de um fonema não é amiúde marcada com til ou com n, m: mogeta (em vez de mongetá ou mõgetá), modo (em vez de mondó ou mõdó). Em nossa transcrição, as marcas de nasalidade serão sempre assinaladas, mas, às vezes, não corresponderão às que são convencionais na ortografia portuguesa. Essas marcas de nasalidade são sempre as da ‘norma clássica tupinológica’, isto é, as utilizadas por tupinistas como Lemos Barbosa, Edelweiss e Navarro.

A TRADUÇÃO DAS CARTAS PARA O PORTUGUÊS

Apresentam-se aqui traduções de cartas de uma língua de partida da família tupi-guarani para uma língua de chegada da família românica, no caso, o português.

Apresentamos para cada manuscrito duas traduções, uma livre e a outra justalinear, com o texto original transcrito. Isso permitirá acompanhar pari passu a transposição do texto em língua indígena para a língua portuguesa.

Apresenta o tupi antigo grandes diferenças estruturais em relação à língua portuguesa, entre as quais se podem mencionar as seguintes: flexão verbal à esquerda; existência de posposições; subordinação racional pouco desenvolvida; existência de afixos de relação, semelhante ao construto das línguas semíticas; voz causativa e voz causativo-comitativa; ausência de artigos; ausência de flexão de gênero e de número das formas nominais; relação genitiva formada como nas línguas da família germânica, isto é, com inversão das palavras; sintaxe do tipo sujeito-objeto-verbo (SOV).

Assim sendo, as soluções tradutórias que aqui encontramos tiveram de considerar a índole muito diversa do tupi antigo em relação às línguas românicas. Buscamos, nas traduções justalineares, aproximar o texto de chegada o mais possível do texto de partida, até onde isso é factível. Já nas traduções livres, utilizamos a variedade linguística do português brasileiro em seu padrão contemporâneo. As soluções tradutórias foram, assim, conduzidas por maior literalidade nas traduções justalineares.

Nas traduções livres, utilizamos a sintaxe mais corrente em português, sujeito-verbo-objeto (SVO), substituindo algumas palavras e expressões por outras mais usuais no português brasileiro. Evitamos nelas o uso do pronome vós, de segunda pessoa do plural, substituindo-o pelo pronome de tratamento vocês, que é o usual no português contemporâneo, tanto no Brasil como em Portugal. Utilizamos, contudo, nas traduções justalineares, o pronome tu, que ainda é usado em certas regiões do Brasil e tem amplo emprego em outros países lusófonos.

A dicotomia tradução literal/tradução livre é, há milênios, uma questão que domina as discussões sobre os princípios da prática tradutória (Nida, 1964). Forma versus sentido, estrangeirização versus domesticação, forma versus conteúdo, tais dicotomias e outras mais permeiam as reflexões sobre tradução. Sendo as cartas dos Camarões os únicos textos conhecidos em tupi antigo de autoria de falantes nativos e, dado o pequeno número de textos nessa língua, torna-se fundamental retirar

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