Page:Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo.pdf/3

From Wikisource
Jump to navigation Jump to search
This page has been proofread.

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 17, n. 3, e20210034, 2022

O primeiro rabino a chegar ao continente americano foi Isaac Aboab da Fonseca, em 1642. Permaneceu em Pernambuco até a expulsão dos holandeses em 1654 (Vainfas, 2010).

Nos anos da administração de Maurício de Nassau-Siegen, houve também grande desenvolvimento da infraestrutura urbanística de Recife, além de incentivo ao estudo da natureza brasileira. Pela primeira vez, a fauna e a flora do Brasil seriam descritas cientificamente, tendo sido publicada pelo naturalista Georg Marcgrave a “Historia Naturalis Brasiliae” (Piso & Marcgrave, 1648). Empréstimos foram feitos a senhores de engenho para que reconstruíssem suas propriedades (Mello, 2012).

Quando fazia já dez anos d presença holandesa no Brasil, em 1640, um importante fato histórico mudaria o rumo dos acontecimentos: a restauração do trono português, com o fim do domínio espanhol. Portugal recuperava sua independência. No entanto, precisaria lutar contra a Espanha para garanti-la. Os holandeses já estavam em guerra com os espanhóis havia décadas, pela consolidação de sua própria independência (isto é, das Províncias Unidas dos Países Baixos), a chamada Guerra dos Oitenta Anos, que só terminaria em 1648, com a Paz de Westfália. A guerra de Portugal contra a Espanha não permitiria, segundo o Pe. Antônio Vieira, ministro de D. João IV, que o reino luso tivesse forças para enfrentar os holandeses, no caso de tentar sua expulsão do Nordeste brasileiro (Boxer, 1961). Assim, num documento conhecido como “Papel Forte”, escrito em 1648, Vieira chegou a propor a entrega de Pernambuco à Holanda. Segundo ele, “. . . se Portugal e Castela juntos não puderam resistir à Holanda, como há de resistir Portugal, só, à Holanda e a Castela?” (Vieira, 1951, p. 69).

No entanto, uma reação armada ao domínio holandês começaria no próprio Brasil. Em 1644, Maurício de Nassau retornou à Europa, tornando generalizada a insatisfação com a administração holandesa, sediada no Recife. Os senhores de engenho estavam endividados com a Companhia das Índias Ocidentais. Com a partida de Nassau, as dívidas passaram a ser cobradas ostensivamente. Um dos grandes senhores de engenho de Pernambuco, João Fernandes Vieira, juntamente com André Vidal de Negreiros, comandou os brasileiros na guerra, ajudando a financiá-la, o que levaria à expulsão dos holandeses em 1654. Nessa guerra, iniciada no dia 13 de junho de 1645, lutaram, de cada lado, índios, europeus e negros escravos ou libertos. Ela é conhecida como a Insurreição Pernambucana (Hulsman, 2006).

Concorreram para agravar as causas econômicas da guerra as causas religiosas: a partida de Maurício de Nassau faria renascer a intolerância entre católicos e calvinistas. Com efeito, no dia 16 de julho de 1645, em Cunhaú, na Capitania do Rio Grande, os holandeses e seus aliados índios, comandados por um judeu-alemão de nome Jacob Rabi, mataram dezenas de pessoas durante uma missa celebrada pelo padre André de Soveral. Uma das vítimas, Mateus Moreira, teve o coração arrancado pelas costas (Pereira, 2009).

No dia 3 de outubro de 1645, nova chacina foi perpetrada pelos holandeses e por seus aliados índios, desta vez em Natal. Doze pessoas foram detidas no Forte dos Reis Magos, entre as quais o padre Ambrósio Francisco Ferro. Elas foram levadas para o porto de Uruaçu, onde as aguardava o chefe potiguara Antônio Paraupaba, aliado dos holandeses. Ele fora designado por estes como regedor da Capitania do Rio Grande, assim como o chefe Pedro Poti o fora para os índios da Paraíba e Domingos Carapeba para os de Itamaracá e Goiana. Antônio Paraupaba, à frente de mais de duzentos índios potiguaras e tapuias, determinou que seus subordinados matassem aqueles doze prisioneiros, o que foi feito com extrema crueldade (Pereira, 2009).

Tais fatos fizeram crescer a hostilidade dos luso-brasileiros contra os holandeses, numa guerra que levaria quase nove anos para terminar. No início dela, índios potiguaras da Paraíba e do Rio Grande escreveram cartas em tupi antigo, o que constitui fato de imensa importância para os estudos linguísticos e históricos. A existência de índios alfabetizados,

3