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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

Marãpe ereîkó || Por que estás

apŷabaíba raûsupa[1]? || os homens maus amando?

Ixépe || E a mim

na xe raûsubi îepé? || não me amas tu?

Marãpe? || Por quê?

“Re´ĩ[2] kó xe ganã[3]; || “Ai, eis que me enganam;

nde ipó ahẽ” || tu és deles, certamente”,

e’îabo xebe, || dizendo [isso] a mim,

xe pe’abo, || me repelindo,

nde îoseî[4] xépemo? || tu serias desejável para mim?

Karaíba nde anga’o || Os portugueses contigo importarem-se

naîmombe’uî xûé || não contarei

ndebe? || a ti?

Opotar[5] eté || Quer muito

karaíba murubixaba || o chefe dos portugueses[6]

nde sema. || tua saída.

Sorybeté niã || Estariam muito felizes, com efeito,

opabenhẽ karaibetá[7] || todos os portugueses

Paraibygûara || (habitantes) da Paraíba,

nde îeme’engagûera[8] || os companheiros de tua passada rendição,

rureme. || no caso de virem.

Nde sema || Tua saída,

abaíme[9], || difícil no caso de [ser],

eîmour || faze vir

abá amõ || algum índio

xe mongakuapa[10] || para me informar,

t’asóne || [e] hei de ir

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  1. Novamente o uso de perífrase estar + gerúndio. Em tupi quinhentista, dir-se-ia eresaûsub apŷabaíba eîkóbo (literalmente, ‘amas os homens maus estando’), indo para o gerúndio o verbo ‘estar’, auxiliar, ikó, ekó (t).
  2. A partícula re’ĩ aqui expressa dor, lamento, desgosto: Akûere’õ xe rekóû rimba’e re’ĩ... – ‘Que mal eu agi outrora...’ (Araújo, 1952 [1618], 155v).
  3. Ganã, tomado por empréstimo do português ‘enganar’.
  4. ...Nde îoseî? – Uso predicativo de îoseîa – ‘desejo’. Îo- formava substantivos a partir de temas verbais. O verbo seî, ‘querer’, ‘desejar’, era usado só com temas verbais incorporados: I kamu-seî kunumĩ... – ‘Deseja o menino mamar. O menino é desejoso de mamar’ (Anchieta, 1954, p. 317).
  5. Outro fenômeno que expressa a transformação da língua: a ausência do pronome -î- incorporado. Em tupi quinhentista, dir-se-ia oîpotar.
  6. Isto é, João Fernandes Vieira.
  7. Ver a nota 34.
  8. A alegria dos portugueses da Paraíba seria a consequência de um fato que, então, seria anterior, passado. Daí o emprego de (p)ûer(a), que expressa o tempo nominal pretérito. Veja-se aí o uso do sufixo -(s)aba a expressar circunstância de companhia: îeme’engagûera < îe-me’eng-a(ba)-(p)ûera – ‘os companheiros passados de teu entregar-se’.
  9. Adjetivo abaíb + posposição átona -(r)eme.
  10. Há, no original, um g borrado depois de xe.