Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 17, n. 3, e20210034, 2022
Envio-te estas minhas palavras, senhor Pedro Poti, como coisa sabida de Nosso Senhor Deus. Por quê? Vê que eu sou teu parente legítimo. Vem para sair do que é parecido ao fogo do diabo. Reconhece tua condição de cristão! Por que queres perder verdadeiramente tua condição de cristão? Por que queres verdadeiramente perder teu estado de filho do Senhor Deus? Que queres fazer, na verdade?
Sendo ignorante, tu estás, de fato, querendo muitíssimo arruinar-te. Quantos cristãos perdidos viste? Não são os portugueses que se perdem. Por quê? Porque, por serem cristãos, o Senhor Deus não pode os fazer perecer.
Aqui estamos, novamente, querendo a retirada de vocês, conforme as palavras do senhor Capitão-Mor Antônio Felipe Camarão e também conforme as palavras do chefe de todos os portugueses.
Eu estou admirado com vocês, vendo sua fuga para longe de nós; mas não somos nós seus parentes? Por que vocês nos detestam? Nós não lhes fizemos nenhum mal. Tudo bem, vocês não fizeram nenhum mal para nós.
Para aí também vai a carta do Capitão-Mor para ti. Vai também para aí outra carta do Capitão-Mor para Antônio Paraupaba.
Oxalá o Senhor Deus entrasse em seus corações, ó cristãos! E se vocês saíssem, nós estaríamos muito felizes, para vê-los sempre.
Para aí também mandei duas mulheres até vocês, para levar notícias e para que te contem minha situação aqui.
Vão essas notícias somente. Que vocês estejam vivendo bem. O Senhor Deus esteja com vocês.
Hoje, 21 de outubro de 1645.
Teu irmão mais novo e teu amigo, Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro Camarão.
TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA
Ao sñor[1] Capitão Pedro Potĩ[2] || Ao senhor Capitão Pedro Poti
Îandé Îara || Nosso Senhor
Pa’i[3] Tupã é || Deus, ele próprio,
tekobekatu || saúde
t’ome’eng[4] endébe. || dê a ti[5].
Ikó xe papera || Esta minha carta
endé sepîak îanondé, || antes de tu a veres,
xe rorykatu ã || eu estou muito feliz,
opabenhẽ pe || de todos vocês
marane’yma resé || acerca da saúde
gûiporandupa, || perguntando,
xe abé ã, || eu também,
na xe marani nhẽ || não mal, com efeito,
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- ↑ O texto inicia-se, como vemos, em português. Todos os autores destas cartas eram bilíngues.
- ↑ No original, está escrito Potig. No entanto, na décima segunda linha da carta, o mesmo nome está escrito poti.
- ↑ Em tupi antigo, pa’i era um pronome de tratamento para pessoas de respeito. Passou a significar ‘padre’, com a colonização. A expressão Pa’i Tupã Îandé Îara é de difícil tradução literal.
- ↑ T’ome’eng... – Observe-se, aqui, a ausência do pronome i incorporado, como é regra entre os verbos transitivos conjugados: aîme’eng – ‘dou’, ereîme’eng – ‘dás’, oîme’eng – ‘dá’ etc.
- ↑ Veja-se a mudança da terceira para a segunda pessoa, fato comum nestas cartas.