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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

CONCLUSÃO

Estas seis cartas, aqui transcritas e traduzidas linha a linha, constituem um corpus ideal para se analisar o tupi antigo no século XVII. Elas desmentem afirmações equivocadas de Câmara Jr. (1965), que acreditava na existência de um ‘tupi jesuítico’. Nelas, vemos, na pena dos próprios índios, a língua que Anchieta e Figueira gramaticalizaram em 1595 e 1621, respectivamente, embora com algumas transformações trazidas pelo contato com a língua portuguesa.

O que os índios escreveram revela, pela primeira vez, aspectos do tupi antigo tal como ele era falado mais de cem anos após o início da colonização do Brasil. A alfabetização nos aldeamentos católicos ou calvinistas foi um fator de grande importância para isso.

As cartas evidenciam, por outro lado, as tensões produzidas no seio de comunidades indígenas da América pela cisão da cristandade na Europa. Com efeito, as guerras de religião e as rivalidades entre católicos e protestantes transferiram-se, com a colonização, para as terras de ultramar, envolvendo seus povos nos conflitos vividos no velho continente, separando comunidades e famílias para as quais os laços de sangue tinham uma importância vital. Vemos, nos manuscritos, índios a matar a outros índios, seus parentes próximos ou distantes, em nome da religião ou de interesses de Estado.

A desestruturação do mundo tradicional indígena é claramente perceptível em tais cartas. Com efeito, o próprio Felipe Camarão admitiu-o, ao prometer a Pedro Poti, em sua carta de 19 de agosto, que novamente faria os potiguaras viverem “de acordo com seu modo de vida de antigamente”. A mesma insatisfação ele manifestou na carta que escreveu a Antônio Paraupaba, em 4 de outubro: “Eu vou para Paraguaçu, buscando aquela nossa futura morada. Eu não posso deixar desaparecer de nós mesmos as tradições do meu finado pai”.

Estas cartas são, assim, no âmbito da linguística indígena brasileira, os documentos mais valiosos que foram salvos da voragem do tempo.

REFERÊNCIAS

Anchieta, J. (1954). Poesias. (Manuscrito do século XVI). Museu Paulista/Comissão do 4º Centenário da Cidade de São Paulo.

Anchieta, J. (1595). Arte de Grammatica da Lingoa mais usada na Costa do Brasil [Edição facsimilar]. Imprensa Nacional.

Anchieta, J. (1993). Doutrina Cristã (Catecismo Brasílico) (Vol. 1). [Edição facsimilar de manuscrito do Arquivo da Postulação Geral da Companhia de Jesus]. Edições Loyola.

Araújo, A. (1952 [1618]). Catecismo na Língua Brasílica. PUC do Rio de Janeiro.

Barbosa, A. L. (1956). Curso de tupi antigo. Livraria São José.

Boxer, C. R. (1961). Os holandeses no Brasil – 1624-1654 (Coleção Brasiliana, Vol. 312). Companhia Editora Nacional.

Calado, M. (1668). O Valeroso Lucideno. Oficina de Domingos Carneiro.

Câmara Jr., J. M. (1965). Introdução às línguas indígenas brasileiras. Museu Nacional.

Edelweiss, F. G. (1958). O caráter da segunda conjugação tupí e o desenvolvimento histórico do predicado nominal nos dialetos tupí-guaranís. Livraria Progresso.

Figueira, L. (1621). Arte da Lingua Brasilica. Cia. de Jesus.

Grieco, F. A. (1998). Guararapes, o despertar da nacionalidade. Revista da Escola Superior de Guerra, (37), 7-20. https://doi.org/10.47240/revistadaesg.v0i37

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