Page:Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo.pdf/15

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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 17, n. 3, e20210034, 2022

peîeangune. || e [vocês] terão medo[1].

Okanhemetá[2] ‘ybama[3], || Perecerão muitos comandantes,

apŷabaíba, || homens ruins,

oré suí. || por nossa causa[4].

Kûesé orogûar[5] benhẽ 4 tubixaba, || Ontem prendemos mais quatro chefes

opabenhẽ i nhanama[6], || e toda a sua gente,

îerobîasaba[7]. || causa de sua confiança.

4 cento[8] i boîá || Quatrocentos subordinados deles,

oîopytera rupi orogûar. || pela metade capturamos.

Amõ okanhem || Alguns morreram

oré suí || por causa de nós

irũnamo || com eles[9].

Okanhẽ capitão André de Souza Bioby, || Pereceu o capitão André de Souza Biobi[10],

capitão Matheus Monteiro[11], || o capitão Mateus Monteiro,[12]

capitão Gaspar Igibaquagiribã || o capitão Gaspar Ijibaquajiribã[13]

opamenhẽ i boîaeté abé. || [e] todos os seus melhores subordinados também.

Peîmo’ang ymẽ, || Não imaginem

15

  1. Felipe Camarão alude aqui ao medo que os potiguaras aliados dos holandeses poderiam ter de represálias destes se os abandonassem.
  2. Okanhem-etá ‘ybama. – Observe-se que etá pode ser usado imediatamente após o verbo, em função adverbial: ‘em grande número’.
  3. Iguama, no original (‘yba + ram-a > ‘ybama). Trata-se de acontecimento futuro e hipotético. Talvez essa forma de futuro nominal explique a ausência do clítico -ne, no final do período, como era regra em tupi antigo para expressar o tempo futuro.
  4. Ver a nota 30.
  5. Verbo îar / ‘ar(a) (t, t).
  6. I nhanama: no encontro das vogais i e a havia, às vezes, epêntese de iode, /j/, ou de seu alofone [ñ].
  7. Îerobîasaba < i îerobîá-sab-a. Literalmente, ‘causa do confiar deles’, ‘objeto do confiar deles’, ‘de sua confiança’.
  8. Em tupi antigo, havia somente termos correspondentes para os números 1, 2, 3 e 4. Acima disso, passou-se a usar circunlóquios ou se tomaram numerais do português por empréstimo, conforme vemos aqui.
  9. Essa informação é confirmada historicamente: “Deixaram os nossos Mestres de Campo em Sirinhaém por Capitão dos moradores e da fortaleza a Álvaro Fragoso de Albuquerque e logo marcharam adiante. Martim Soares Moreno veio mais devagar com o seu terço, caminhando em direitura para o pontal de Nazareth e cabo de Santo Agostinho e André Vidal de Negreiros partiu diante e com mais pressa em busca de João Fernandes Vieira, ao qual encontrou na vila de Santo Antônio do Cabo, como temos dito, e veio em seguimento seu até a casa forte de Dona Anna Paes, aonde João Fernandes Vieira alcançou a segunda vitória e prendeu ao Governador das Armas Holandesas, Henrique Hus, e os três cabeças de seu exército, com mais duzentos e treze soldados e lhe matou todo o mais restante do seu exército” (Calado, 1668, p. 236). Como vemos, Felipe Camarão confirma em sua carta a prisão de quatro chefes holandeses. Calado (1668, p. 89) menciona os nomes de três deles: Henrique Hus (governador das armas), João Blar (mestre de campo) e João Bilth (governador dos índios). Afirma que, dos quatrocentos subordinados, a metade foi morta. Isso sugere que foram somente os soldados potiguaras os que foram sacrificados e que os soldados holandeses foram poupados. Com efeito, ele somente menciona a morte de capitães índios (André de Souza Bioby, Mathias Monteiro, Gaspar Ijibaquagiribá) e também de todos os seus subordinados, que não poderiam ser outros senão índios potiguaras.
  10. Nos arquivos holandeses, há um documento chamado “Notulen van Brazilië”, no qual ficamos sabendo de uma assembleia realizada pelos índios potiguaras na aldeia de nome Tapisserica, situada na capitania de Pernambuco, no dia 30 de março de 1645. Nessa assembleia, os índios deliberaram propor leis que deveriam ser apresentadas aos membros do Supremo Conselho holandês no Recife. Tal assembleia realizou-se em 11 de abril de 1645 e a ela compareceram muitos índios, de todas as aldeias das conquistas holandesas. A ata dessa assembleia arrola o nome do capitão André de Sousa, mencionado nesta carta, acrescentando a informação de que ele era capitão na aldeia Caracé (Maior, 1913, p. 161).
  11. Aqui foi usada uma abreviatura: Montr.
  12. O nome de Mateus Monteiro também aparece na ata da assembleia dos índios, que nos informa que ele era capitão na aldeia Tapisserica, a mesma em que se realizara a referida assembleia.
  13. O nome do capitão Gaspar não aparece na ata da assembleia dos potiguaras.