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Page:Poesias de Dom Pedro II.pdf/180

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« Sou El-Rei; venho aqui buscar o que é só meu,
« D’este impostor sentado em throno nunca seu. »
E subito, ao ouvir palavras tāo ousadas
Os convivas raivosos puxam das espadas;
Mas falla o Anjo, e a testa é sempre lisa e igual:
« Nāo és El-Rei; nāo és; mas sim d’El-Rei jogral.
« De guisos andarás e capa de romeiro,
« Um bugio trazendo, como conselheiro.
« Ás ordens dos creados, que amos teus serāo,
« Servirás a meus pagens, mesmo no salāo! »
Surdos a ameaças, rogos, gritaria,
Atirāo a Roberto pela escadaria.
Chusma de galhofentos pagens corre adiante,
E quando abrem a porta em dous umbraes rodante
Desfallece; pois ouve entrado de terror
O rir da soldadesca immenso, atroador.
E restrugindo vae n’abobada do paço,
Por mofa esta ovaçāo: « Viva El-Rei longo espaço! »
Na seguinte manhā, antes do primo alvôr,
Acorda e diz comsigo: « Estou um sonhador! »
Porem a palha range, se a cabeça vira;
Perto do leito a capa e os guisos descobrira;
Muros s’erguem á roda nús e descorados,
Comem corceis ao pé ás baias amarrados,
E mettido nun canto, aspecto repugnante,
Faz tregeitos e guincha o môno saltitante.